O sopro dos ventos de Junho na Universidade: as mobilizações por Democracia na USP - outubro/novembro de 2013
O início da mobilização
No dia 1° de Outubro, deu-se um importante passo na luta
política por democracia na USP. Foi realizado um ato unificado das três
categorias - Funcionários, Docentes e Estudantes - exigindo a democratização
dos processos decisórios da universidade. A USP, uma das mais antigas
universidades do país, ainda possui uma estrutura arcaica e antidemocrática que
dificulta, ou melhor, bloqueia, o diálogo de sua direção com a comunidade
universitária. Qual o resultado disso? A livre condução da universidade sob a
lógica do capital e a serviço da elite econômica e política do país, impedindo
qualquer passo na construção de uma universidade democrática e popular.
Para se ter uma ideia do quão autoritário são os processos
decisórios na USP, nem 3% da comunidade universitária pode votar para Reitor,
sendo o Conselho Universitário (CO), composto majoritariamente por professores titulares,
quem decide os três candidatos ao reitorado. Quando se pensa que não pode ser
mais antidemocrático e restrito o processo de eleição, a decisão final se dá
através da nomeação feita pelo governador do Estado que escolhe o reitor
através da lista tríplice apresentada por esse conselho.
Os estudantes, os funcionários e os professores há tempos se
cansaram dessa estrutura conservadora e excludente de votação. Por isso, a
pauta de diretas para reitor é um acúmulo de décadas que vem sendo
sistematicamente imobilizada pelos de “cima”, ou seja, pela burocracia
universitária. E como é barrada essa mobilização? Através de uma forte
repressão e perseguição daqueles que ousam lutar. Não esquecemos que na greve
de 2011, oito estudantes foram expulsos da USP com base em um regimento
disciplinar da época do regime militar!
Por isso, a última reunião do Conselho Universitário, que
culminou na ocupação da reitoria, foi apenas mais uma forma da elite
burocrática da USP burlar as demandas da comunidade universitária, fazendo
alguns “retoques” que não trazem a
mudança necessária na universidade.
Nessa reunião, foi decidido que não haverá mais o 2º turno (no qual somente o
CO votava para reitor) e a estrutura da votação no 1º turno, já bastante
exclusiva, foi mantida. Foram criadas, ainda, a obrigatoriedade de inscrição de
chapas dos candidatos a reitor e um plebiscito à comunidade universitária, com
resultado a ser divulgado cinco dias antes das eleições se iniciarem (de
caráter apenas consultivo!). A Reforma do Estatuto da USP ficou como indicativo
para a gestão do próximo reitor, a ser discutida pelo CO em 2014.
A decisão não contemplou as revindicações da comunidade universitária,
afinal, não basta um verniz democrático mas uma democracia que de fato possa
servir para realizarmos as mudanças que queremos ver na universidade. Diante da
intransigência e a total falta de diálogo do CO, o ato terminou na ocupação da
reitoria e, após Assembléia Geral, os estudantes deliberam Greve.
O movimento e suas pautas
Após a deliberação de greve, vimos crescer a mobilização por
vários cantos da USP: cursos que não tinham um histórico recente de
mobilização, como a a Geologia e a Farmácia por exemplo, permaneceram uma
semana em greve. A Física aprovou greve com “cadeiraço”, a Educação Física
entrou em greve e conseguiu importantes conquistas internas. A mobilização
favoreceu também o debate político em alguns cursos, como na já citada Geologia,
onde os estudantes do curso conseguiram realizar vários debate, entre eles o de Universidade Popular.
Na greve, aprovaram-se cinco eixos que dialogaram com a bandeira
geral de democratização da universidade, que foram: Diretas para Reitor,
Estatuinte Livre Soberana e Democrática, Devolução dos Blocos K e L, Cotas e
Não a Repressão.
A ocupação e a decisão de greve tiveram como estopim a
reunião do CO e a exigência de Diretas para Reitor. Mas não podemos esquecer da
existência de outras demandas, como acesso
e permanência estudantil, que
dialogam diretamente com a verdadeira
democratização da universidade. Esses eixos foram a devolução dos blocos de
moradia estudantil K e L e a aprovação do PL de cotas sociais e raciais. Eles
foram deliberados na primeira assembléia estudantil pós-ocupação, apesar do
pouco empenho de alguns setores estudantis, o que demonstra como é necessário
lutarmos e disputarmos o lugar do acesso
e da permanência nos fóruns do
movimento.
E por que esse eixo dialoga tanto com a verdadeira democratização
da universidade? Para nós, da Juventude LibRe, só haverá democracia de fato
quando a universidade abrir suas portas para a população! Se não combatermos o
caráter elitista e excludente da universidade, não há sentido em falar de
democracia! Por isso as lutas travadas no movimento universitário não devem ter
um fim nelas mesmas mas sim romper com o caráter que infelizmente permeia não
só a USP mas a totalidade das universidades públicas do Brasil - que são a
aversão à periferia e à juventude proletária, a produção de conhecimento para o
mercado e a falta de diálogo com as demandas da sociedade. A luta por
democracia não pode ser desvinculada da luta por uma universidade popular, que rompa com a lógica da universidade do
capital, e que se volte para o povo, em vez da elite, e para sociedade, em vez
do mercado e das fundações privadas. Para tanto, a democracia deve estar
presente não só na possibilidade de votar, mas também no acesso e na
permanência, na produção e destinação do conhecimento acadêmico.
Um balanço
A mobilização que aconteceu na USP nesses dois últimos meses
nos lembrou que é possível, construindo um movimento coeso e propositivo,
avançar nas lutas e conquistar vitórias. Infelizmente, ela não teve o fim que
desejávamos. A reintegração de posse da reitoria aconteceu no dia 12/11, e dois
estudantes foram presos arbitrariamente e correm risco de serem processados. A
negociações, que estavam sendo feitas com a reitoria, emperraram e ainda não
sabemos qual futuro terão.
Muitos fatores contribuíram para esse desfecho indesejado. De
um lado, o movimento foi se esvaecendo com a dificuldade de diferenciarmos o
que desejávamos do que poderíamos de fato conquistar. Sem uma
clareza estratégica das possibilidades de vitória que a greve tinha, perdemos
tempo e energia muito valiosos em discussões tais quais se teríamos como eixo
“diretas pra reitor” ou “governo tripartite”. As pautas foram sendo disputadas
na lógica da “marcação de posição” entre as organizações.
Visualizando essas questões, nós, como estudantes e
militantes, podemos nos perguntar: como poderíamos ampliar a mobilização
estudantil e tornar a luta sempre capaz de se renovar? Como fazer com que a
greve não termine com repressão e refluxo do movimento? É chegada a hora do
movimento estudantil se propor uma reflexão sobre suas estratégias e práticas,
para que possamos avançar nas lutas e também nas conquistas. Vemos, cada vez
com mais clareza, a falta de um horizonte estratégico comum que norteie e dê
sentido para as nossas lutas e revindicações no presente. É o momento de
aprofundarmos o debate de que universidade de fato queremos, para que possamos
- com um projeto de universidade formulado - partir para a ofensiva.
O saldo final não é negativo, pelo contrário, provamos para
muitos que o movimento estudantil tem
força, a final, essa foi a maior greve em cinco anos, desde 2007. A maioria dos
estudantes que se envolveu nesse movimento nunca tinha participado de uma
mobilização dessa proporção. Partindo da ideia de que todo ato histórico deixa -
seja lá o seu resultado - marcas nos seus agentes, quem sabe não possamos,
munidos agora da experiência recente, aprofundar e amadurecer nossa atuação? E,
por que não, possamos compreender a urgência histórica de voltarmos nossos
olhares para o mesmo horizonte? Lutamos para que seja o da Universidade
Popular.
22/11/2012
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