sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Aos 180 anos da tomada de poder do Movimento Cabano


Por Jorge André Silva

ALIENAÇÃO HISTÓRICA

180 anos e nenhuma palavra que escape, nem mesmo por acidente, de qualquer das bocas que falam para as massas. 180 anos de sangue de pobre, preto, índios revoltosos, derramados pela fúria dos que dominam sem precisar de justificativas, pois sua sanha sanguinária (ainda) os permite ignorar a vida, o valor da vida e a pulsão por liberdade.

No Pará, 180 anos atrás, o povo tomou o poder. Essa afirmação é tão agressiva e tão impactante que desaparece dos livros de história ou é tratada como mais um capítulo alegórico que serve apenas para subquestionários de vestibulares excludentes.

Mas quem no Brasil comemorou a plenos pulmões o derrubar violento de um governo que foi opressor até que se viu acuado e deposto? Quem comemorou a invasão da Prefeitura de Belém,a morte de europeus e a bandeira de pobre, preto e índio, que tremulou em 07 de janeiro de 1835? Você soube de alguém? Será que não houve ninguém?

Houve sim. Alguns cabanos em Belém não deixaram a data passar em branco. Armaram-se de armas cênicas para confrontar o silêncio sínico e ocuparam a praça com uma tal marginalia desautorizada e inspiradora, para gritar que a Cabanagem deve ser comemorada no dia em que foi vitoriosa.

Cabanos realizaram ocupações culturais no antigo Mercado de São Braz e na praça Tancredo Neves no bairro periférico da Marambaia. Sarau Cabano e Sarau Multicultural do Mercado. Ambos, construídos como ações coletivistas, microfones abertos, exposições, textos libertários, intervenções. E o tom, o mesmo: comemorar o povo que fez o impossível apresentar-se como inevitável. Revolucionários cabanos exigindo pertencimento em sua própria história.

O Sarau Multicultural do Mercado ocorre mensalmente, na primeira quinta-feira do mês, sempre no Mercado de São Bras e o coletivo Vagalume realiza diversas ações sócio-artístico-culturais no bairro da Marambaia e adjacências.

Vale ressaltar que o termo “Alienação histórica” é exatamente o que vivemos e que, ao contrário do que muitos imaginam, a palavra alienação não significa burrice, desconhecimento, preguiça mental, ou qualquer dessas acusações em que sutilmente foi transformada. Alienar significa ROUBAR. Quando levaram seu celular, você foi alienado dele. Portanto, a alienação é culpa do alienador, não do alienado! Logo cabe perguntar: quem vem roubando o conhecimento de nossa história, para quê o faz e o que faremos?

REVOLUÇÃO POPULAR

Em Belém, a menção cotidiana oficial ao movimento Cabano é uma data, nome de rua inclusive, trata-se da Rua 13 de maio. Agitada, é uma das principais vias de acesso ao consumo (e à exploração de cabanos urbanos). Central no centro da cidade, a rua foi batizada pelo Império por ser o local onde o líder Cabano (mas não popular) Eduardo Angelim, residia e onde amargou a lembrança diária de sua derrota todos os dias da vida posterior ao fim do levante popular.

7 de janeiro? Dia de fogo, flecha, revolução? Não! Não comemorem. Nem mesmo lembrem!!!!
Ao brasileiro não cabe comemorar seus heróis. A menos que se trate de Ayrton Senas, Xuxas e negros mais racistas que racistas. Ao brasileiro cabe memorizar heroísmos que lhe tenham massacrado, ratificado explorações e eliminado sua resistência. Ao brasileiro cabe repetir a história dos vencedores, não dos vencidos, não a sua. E como vencidos ainda, nossas vitórias não viram páginas, nem homenagens, nem hinos.

Nossas vitórias apenas serão comemoradas se, por insurgências autodeterminadas e teimosas, decidirmos que podemos nós mesmos escolher a quem aplaudir e a quem tomar como modelos.
Quando, por compreendermos o papel do ídolo no jogo de sombras burguês, decidirmos que nos valeu mais um caboclo “anonimado”, tornado “soldado que seguiu o líder”, do que ícones que anestesiam a percepção de que quem derramou sangue não está listado na história.

O povo que guerreou é outro, não o que ilustra as iluminuras. Nunca vi Maria, Zé, Tião. Mas foram deles as mãos de carregaram as canoas e que moravam nas Cabanas que batizaram o movimento. Mas só isso.

Parecemos viver em um país de heróis, mas de poucos heróis, não de povo coletivamente heroico. A aparência que se constrói e se consolida é de que nenhum movimento é realmente popular, mas resultado de líderes e de sua potência de ação.

É por essa sensação que as lutas mais importantes, as que se dão nas ruas, são transformadas em segundos de telejornal, não em modelos embrionários do que deveria ser a democracia.

Fala-se em revolução, mas espera-se a reedição de outras revoluções, nunca as nossas próprias. Fala-se em liberdade, mas busca-se a cristalização de cúpulas livradoras. Fala-se de movimentos de massa, mas a primeira busca é por sua subordinação, doutrinamento e hierarquização, só depois disso a massa torna-se política. É o que demonstram e que só vai acabar quando a própria massa decretar seu fim.

A ansiada revolução é popular? Então porque ninguém está explicando isso massivamente para o povo? Porque ninguém toma para si a Cabanagem, a Balaiada, Canudos e quilombos?

LEVANTE CULTURAL

Por tempos no Brasil as ideias eram mais perigosas que bombas. Tanto é que levantes militares não amedrontavam tanto quanto livros, assembleias e canções.

A mercantilização da cultura é a guerrilha subliminar mais perigosa que o sistema capitalista promove contra a sociedade, pois retira a liberdade criativa sem demonstrar que está sufocando o poder de transformação inerente ao brasileiro.

Levantem as mãos os que gostam de samba. Agora os que sabem tocar.

Levantem as mãos os que escrevem poemas. Agora os que se interessam por eles.

Levantem as mãos os que pagam R$ 200,00 por um ingresso. Agora os que batucam nas panelas e garrafas com feijão, ocupam a rua e cultuam a si mesmos enquanto células da cidade.

Se a cultura é produto, quem é a matéria prima? Nossos cérebros, nossas almas ou o dinheiro de alguém???

Cultura-produto é sinônimo de políticas públicas silenciadoras, artistas panfletários produzindo para vender, não para viver (viver arte). Cultura-produto é sinônimo de mega-espetáculo, nunca de carimbó, forró pé de serra, samba de cacete, a não ser que sejam para atender a um edital segregador que não passa de vestibular que disfarça falta de vagas.

Cabanagem cultural. Invasão dos centros de poder ideológicos pelas (e para as) mãos das Marias, Zés e Tiãos. Cabanagem artística. Cabanagem contra a sabotagem!

Não vou descrever pormenorizadamente os atos públicos realizados em 7 de janeiro de 2015 em Belém, se você desejar saber sobre eles, pesquise no face o grupo“Sarau Multicultural do Mercado” e sobe o Sarau Cabano da Marambaia “Flávio GammaDagamma”.

Muito mais que publicizar o que fizemos, o importante é perguntar: o que faremos?

POR UM BRASIL CABANO

No Brasil a esquerda luta por hegemonias de grupo, não por hegemonia de classe. É por isso que se a denúncia respingar em “colegas” ela é deixada de lado. E dane-se a situação. É por isso que os sindicatos são ringues, não cooperativas políticas organizadoras dos trabalhadores. É por isso que os partidos são por dentro ninhos de cobras que engolem cobras, não agregações de linhas de frente. As vanguardas de hoje são equívocos, porque não lutam para construir a revolução, mas para tomar o controle dela quando for vitoriosa (sim, quando for vitoriosa, já que o desenvolvimento de sua luta também não é de seu interesse).

O ouro de tolo amealhado pelo carguismo, por mais reluzente e cheio de zeros à direita que represente, nunca será suficiente para santificar os carros/casas/prazeres comprados.

A subserviência dos pseudo lutadores às benesses do sistema, não resolve nem os problemas dos que se vendem nem a pulsação da revolta dos que são vendidos, mesmo quando eles não entendem porque suas lutas não avançam.

O Brasil por enquanto não tirará do poder os filhos e apadrinhados de Dom Pedro, que hoje possuem novos sobrenomes, que são acionistas de multinacionais (brasileiras ou não), que ocupam a nata do topo de ponta da pirâmide (onde as verdadeiras decisões são tomadas) e que travestem seus empregados com fardas, legendas, bandeiras e manchetes. Isso só mudará quando ELES FOREM O ALVO DAS MUDANÇAS.

Enquanto a luta for de frações contra frações, de facções contra subgrupo e de movimentos contra movimentos, os herdeiros de Dom Pedro estarão retomando o poder de raros cabanos que ousarem sair de suas taperas, matando-os e apagando-os da história.

O Brasil só será de brasileiros quando uma Cabanagem nacional acontecer!!!

Isso é tão perigoso que nossa cultura é de “13 de maio”, jamais de “7 de janeiro”. Isso é tão perigoso que somos chamados para esperar por 1917 ao invés de chamarmos todos para o pós-2013.

Cabano é bolchevique. Cabano é comuna. Cabano é brasileiro que não sabia de nada e assumiu por si aquilo que só se perdeu porque foi repassado para dom-pedristas.

Dá até para pensar nos gritos de guerra. “Cabanagem contra a sacanagem”. “Contra burguês, flechas cabanas pra vocês”. “Chamem os cabanos”. “Cabanarpara a corrupção acabar”.

Brincadeiras a parte, o que realmente interessa é a pergunta: és cabano, mano?!

VIVA OS 180 ANOS DA CABANAGEM!!!!


Ps.: Sentiu falta de referências históricas, data e tudo mais? Isso você mesmo pode resolver.
Ps2.:Este texto é para incomodar e abrasileirar ainda mais nossa base ideológica, afinal nem o Caetano acredita que só é possível filosofar em alemão.

Ps3.: O Sarau Multicultural é culpa do Jorge André Silva e do Ado Mendes; o Sarau Cabano da Marambaia é culpa do Flávio GammaDagamma. Dá para acha-los pelo facebook.

FOTOS DO SARAU MULTICULTURAL DO MERCADO