quinta-feira, 29 de abril de 2010

Diante da morosidade dos governos, FLM mantém a luta direta

Após quatro dias de resistência, famílias da Frente de Luta por Moradia (FLM) mantêm as ocupações nos prédios das avenidas Prestes Maia e 9 de Julho, além do acampamento em frente à Prefeitura de São Paulo. Sob pressão policial, o terreno da rua Henry Martin, no M’Boi Mirim, foi desocupado.

A FLM apresentou oficialmente suas reivindicações, expressa em carta aberta, aos governos municipal, estadual e federal. A Frente defende que o enfrentamento dos graves problemas urbanos, como as enchentes, e a construção da cidade para todos só acontecerão, de fato, quando houver um empenho e articulação entre os três níveis de governo. Por isso, a FLM reivindica um convênio entre os três níveis no qual se comprometam a trabalhar em conjunto para atender as reivindicações dos movimentos.

Até agora duas reuniões foram feitas. Uma com representantes da prefeitura e outra com representante do Ministério das Cidades. Em ambas houve a manifestação de interesse em empreender tal esforço. Até o momento não houve uma concordância entre as partes quanto ao dia e local para a realização da reunião.

Enquanto isso, o coletivo de movimentos populares por moradia mantêm a luta direta com as ocupações. Entre as reivindicações estão a desapropriação do edifício Prestes Maia, n. 911, prédio da Rua Mauá, n. 340, prédio da avenida São João, 1523, e terreno localizado na avenida Bento Guelfi, 1800.

A FLM vem a público manifestar também agradecimento a todos os apoios que vem recebendo ao longo destes quatro dias.


Retirado do Portal FLM

domingo, 25 de abril de 2010

As duas repúblicas do Haiti

“No Haiti há duas repúblicas, a república de Porto Príncipe e a república de fora. No Haiti, o campo é considerado como um país de fora”.

A declaração de Chavannes Jean Baptiste, coordenador do movimento camponês MPP (sigla em kreyòl para Mouvman Peyizan Papay) pode soar descomedida aos ouvidos estrangeiros. Para o observador local, entretanto, trata-se da mais óbvia das conclusões.

O Haiti possui três rodovias nacionais. Todas saem de Porto Príncipe. O Haiti possui três universidades – uma estatal e duas particulares. Todas localizadas em Porto Príncipe. No Haiti, o acesso a energia elétrica se resume a algumas horas por noite. Mas, salvo raras exceções, é preciso estar em Porto Príncipe para usufruí-la. Se uma criança nasce em qualquer um dos 133 municípios haitianos, seus pais têm de viajar a Porto Príncipe para providenciar sua documentação, já que todos os serviços públicos e a estrutura administrativa do Estado estão concentrados na capital, dos cartórios ao palácio presidencial.

Se o país fosse essencialmente urbano, com a maioria da população concentrada na capital, a explicação seria simples. Não é o caso. 66% dos mais de 10 milhões de haitianos vivem no campo. Apenas 29% residem na região metropolitana de Porto Príncipe.

De república a réplica
‘São francesas as nossas instituições, francesa a nossa legislação pública e civil, francesa a nossa literatura, francesa a nossa universidade, francesas as disciplinas de nossa escola’. Eis o que proclamava o embaixador do Haiti na França, M. Constantin Mayard, em discurso proferido no ano de 1938. É um primeiro vestígio para desvendar o porquê das duas repúblicas no Haiti.

A proclamação da independência em 1804 por Jean Jacques Dessalines não foi suficiente para romper os laços de dominação colonial francesa. Por mais de cem anos, os melhores filhos da elite haitiana foram educados em Paris e ao retornarem ao seu país tentaram construir uma réplica da civilização francesa na pequena ilha do Caribe. Para essa elite, como bem exemplifica o discurso do embaixador Mayard, a França “formou, com o molde de seu próprio gênero nacional, com o próprio sangue, a própria língua, suas instituições, seu espírito e seu solo, um tipo local, uma raça histórica, na qual a seiva da nação continua fluindo, para renová-la completamente”.

Herdeira da seiva francesa, essa raça histórica buscou reduzir o Haiti a Porto Príncipe, ao centralizar o poder econômico e político, e Porto Príncipe a um reduto francês nas Índias Ocidentais. Não é à toa que até a vigente Constituição, promulgada em 1987, o francês era a única língua usada nos atos administrativos, nas escolas, nas universidades, nas missas, nos cinemas e até nos pronunciamentos presidenciais. Isso significava a exclusão da vida pública de todo haitiano que, não sabendo ler e escrever, só se comunicava em kreyòl – o que até o final do século XX representava 75% da população.

Forasteiros no próprio país
Enquanto a elite se embebedava da seiva francesa e via com bons olhos as ocupações estadunidenses – o Haiti sofreu três intervenções militares dos Estados Unidos em menos de noventa anos –, os camponeses foram abandonados à sua própria sorte.

Sem o apoio do Estado, trabalhando como meeiros nas terras dos ‘Grandon’ (latifundiários) e praticando uma agricultura rudimentar por falta de créditos e assistência técnica, os camponeses haitianos conseguiram garantir o abastecimento alimentar do país por mais de cento e cinqüenta anos após a independência.

Entretanto, o golpe de misericórdia veio em 1957, quando o ditador François Duvalier chegou ao poder sob os auspícios do governo estadunidense. Durante os 29 anos de ditadura militar – primeiro com François Duvalier e, a partir de sua morte em 1971, com seu filho Jean Claude Duvalier – foram assassinados mais de 30.000 haitianos e a dívida externa do país subiu 40%, chegando aos dias de hoje à cifra de 1,3 bilhões de dólares.

Para piorar ainda mais a situação, a ditadura abriu as portas do país aos produtos alimentícios oriundos dos Estados Unidos – em especial, ao chamado ‘Arroz de Miami’. Até 1980, o Vale de Latibonit, maior produtor de arroz do Haiti, produzia 200 mil toneladas por ano, o suficiente para abastecer todos os cinco milhões de haitianos que habitavam o país na época. Depois da entrada do ‘Arroz de Miami’, mais barato por causa dos subsídios do governo estadunidense, a produção em Latibonit caiu vertiginosamente, chegando a atuais 76 mil toneladas por ano. O resultado desta abertura é que o país importa hoje 80% do arroz e 54% de todos os alimentos que consome.

Abandono
O terremoto que atingiu o Haiti em 12 de Janeiro de 2010 teve seu epicentro na capital Porto Príncipe, mas suas conseqüências afetaram todo o país, inclusive a zona rural. Além da perda de sementes que caíram precocemente das plantas por causa do tremor, estima-se que entre 700 mil e um milhão de pessoas migraram da capital para o campo.

Esse estrondoso êxodo urbano não foi seguido de um uma ajuda aos municípios que receberam as vítimas. O mesmo governo haitiano que incentivou a saída dos grandes centros urbanos não se preocupou com as conseqüências que o campo, já relegado, teria de arcar. Há municípios que triplicaram sua população após o terremoto. Muitas famílias camponesas aumentaram em 50% o número de pessoas em suas casas, e se viram obrigadas a usar para alimentação as sementes que estavam reservadas para o plantio.

De acordo com dados fornecidos pelo prefeito Touillo Pierre, o município de Ti Rivye, localizado no departamento de Latibonit, recebeu 6.793 pessoas depois do terremoto. A ajuda a esses migrantes ficou a cargo das próprias famílias que os acolheram, já que o município não recebeu nenhum recurso do Estado. A única ajuda veio de uma ONG, a estadunidense WorldVision, que pincelou 500 das 6.793 pessoas para prestar ajuda humanitária. O prefeito Pierre não sabe informar os valores dessa ajuda, já que a atuação da ONG é autônoma e não presta contas a nenhuma instância da prefeitura.

É diante desse quadro de abandono que as organizações camponesas que compõem a Via Campesina haitiana questionam “Quando observamos o presidente Prèval falar de reconstrução, transformando-a na sua meta principal, nós não sabemos de que reconstrução ele está falando. É a reconstrução da ‘república de Porto Príncipe’ somente?”

Reconstrução
Reunidos em assembléia no início de abril, os quatro movimentos haitianos que compõem a Via Campesina no país – MPP (Mouvman Peyizan Papay), TK (Tét Kole Ti Peyizan Ayisyen), KROS (Kòdinasyon Rejyonal Òganizasyon Sidès), MPNKP (Mouvman Peyizan Nasyonal Kongrè Papay) – analisaram que “a situação do país, que já era precária antes de 12 de janeiro, se tornou insustentável depois do terremoto que abalou nossa nação, evidenciando a debilidade do Estado que não é capaz de reagir perante a condição em que o país se encontra”.

Denunciando a inércia do Governo de René Préval e do Primeiro-Ministro Jean-Max Bellerive, os camponeses temem que a catástrofe seja utilizada como desculpa para alterações constitucionais que permitam a um pequeno grupo se perpetuar no poder.

Para os movimentos, a reconstrução do país deve ser encarada como uma oportunidade de descentralização do poder e dos serviços públicos que se encontram concentrados na capital Porto Príncipe e afirmam que “a produção nacional, em especial a produção agrícola e a reforma agrária, deve ser uma prioridade no plano de reconstrução”.

Falar em descentralização do poder no Haiti não significa, na opinião dos movimentos camponeses, resolver um mero problema de autonomia administrativa para municípios e departamentos. Mais que isso, significa a efetiva participação popular nas instâncias de poder e decisão.

Infelizmente para os movimentos camponeses, a participação popular não vem sendo a tônica desse processo. O Plano de Reconstrução do Haiti foi delineado bem longe do país, nos escritórios das Nações Unidas em Nova Iorque. Seus arquitetos, Estados Unidos e União Européia, estão mais preocupados em saber como suas empresas irão investir os U$ 5,3 bilhões a serem geridos pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional na reconstrução do país, não buscaram a opinião do povo haitiano.

De fato, a participação popular tem sido praticamente inexistente nos últimos anos no Haiti, já que o país sofre uma dupla ocupação militar. A primeira instituída em 2004 pela ONU através das tropas da MINUSTAH coordenadas pelo exército brasileiro.

A segunda, mais recente e numerosa, iniciada logo após o terremoto de 12 de Janeiro, quando mais de 12.000 soldados estadunidenses desembarcaram no país e, de pronto, tomaram para si o controle do porto e do aeroporto de Porto Príncipe sob a justificativa de facilitar a ajuda humanitária. Passados mais de três meses da catástrofe, das ruínas ainda se exala um cheiro forte de morte, mas não se vê nenhuma movimentação por parte das tropas militares para a retirada dos escombros e dos corpos.

Diante de tantos soldados, interesses, empresas e nações, e sem a participação popular, a oportunidade de superar a cisão histórica que dividiu o Haiti entre a “república de Porto Príncipe” e a “república de fora” pode se perder. Mais que isso, se o processo de reconstrução seguir a trilha proposta pelos escritórios de Nova Iorque, é provável que todo o Haiti se transforme num “país de fora”.



Escrito por Thalles Gomes, da Revista Forum

terça-feira, 20 de abril de 2010

Conferência dos Povos reunirá mais de 18 mil participantes em Cochabamba

Às vésperas do início da Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra, na Bolívia, o número de inscritos continua a crescer. De acordo com informações do chanceler boliviano David Choquehuanca, até ontem (18), foram registradas 18 mil inscrições advindas de 129 países e as expectativas são que o número chegue a 20 mil pessoas, até o início do evento.

O grande número de inscritos obrigou a organização da Conferência a modificar mais uma vez o local onde será realizado o ato de abertura. Sendo assim, amanhã, a partir das 8h30, os interessados em ceder ao planeta Terra um futuro melhor deverão estar reunidos no estádio do município de Tiquipaya e não mais no Coliseo Univalle, local divulgado na programação oficial. A mudança foi implementada pelo presidente boliviano Evo Morales como forma de democratizar o evento inicial e agregar a ele a maior quantidade de pessoas interessadas.

O evento de abertura da Conferência dos Povos contará com a participação do secretário geral da Organização de Nações Unidas (ONU), de diretores de organismos internacionais como Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), Comunidade Andina, entre outros.

Após o ato inaugural, as organizações sociais, representantes governamentais, especialistas e demais participantes inscritos deverão se encaminhar para um dos 17 grupos de trabalho previstos na programação, que já tiveram início nesta segunda-feira (19). A pedido de organizações ambientais está sendo prevista a fixação do grupo de trabalho 18, com temática local, que tratará dos conflitos ambientais partindo de uma perspectiva boliviana.

As discussões realizadas em todos os grupos de trabalho serão a base para um documento que será construído a várias mãos, ao final da Conferência Mundial. O documento será levado para a 16º Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP16), que acontecerá em Cancún, no México, entre 29 de novembro e 10 de dezembro deste ano.

Além dos grupos de trabalhos, a Conferência também terá espaço para que os países e organizações participantes exponham seus produtos e suas culturas. Para isso, estão sendo disponibilizados cerca de 100 estandes. Também serão realizados pelos participantes, durante os quatro dias, 166 eventos autogestionados.

Os mais de 18 mil inscritos estão vindo de 32 países da África, de 33 nações da Europa, de 21 países da Ásia, de 18 países da América Central, das 12 repúblicas da América do Sul, de 10 países da Oceania e de três países da América do Norte.

Entre os participantes da Conferência Mundial estão representantes de governos de quase 50 países, no entanto, até o momento, a participação de presidentes está restrita aos chefes de estado da Nicarágua, do Paraguai e do Equador. Espera-se que até 15 presidentes estejam presentes na Bolívia para participar da Conferência.


Acompanhe a Conferência ao vivo

Publicado originalmente no sitio Adital

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária 2010

A Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária é realizada em memória dos 19 companheiros assassinados no Massacre de Eldorado de Carajás, durante operação da Polícia Militar, no município de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996. O dia 17 de abril, data do massacre que teve repercussão internacional, tornou-se o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

Depois de 14 anos, o país ainda não resolveu os problemas dos pobres do campo, que continuam sendo alvo da violência dos fazendeiros e da impunidade da justiça. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram assassinados 1.546 trabalhadores rurais entre 1985 e 2009. Em 2009, foram 25 mortos pelo latifúndio. Do total de conflitos, só 85 foram julgadas até hoje, tendo sido condenados 71 executores dos crimes e absolvidos 49 e condenados somente 19 mandantes, dos quais nenhum se encontra preso.

O QUE QUEREMOS NA NOSSA JORNADA

ABRIL É MÊS DE LUTA pela Reforma Agrária, quando a sua bandeira é fincada nos latifúndios e tremula nas ruas das cidades.

Um projeto que tem necessariamente que resolver dois problemas históricos, que emperram as transformações do Brasil: a estrutura agrária injusta (concentradora de terra, de riqueza e poder político), e o modelo de desenvolvimento (que sempre produziu monocultura para exportação).
Vamos trazer presente na nossa Jornada que a Reforma Agrária é um projeto de interesse de toda a sociedade, e não apenas uma disputa entre os pobres sem-terra despossuídos e os abastados latifundiários.


Se do ponto de vista do desenvolvimento capitalista a Reforma Agrária foi descartada, para nós, Sem Terra, ela continua indispensável.

Abril também é mês de apresentar propostas para o Estado. Em sintonia, temos que aproveitar a força das lutas para negociar com bancos, prefeitos, governos estaduais e federal, superintendências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos estados e em Brasília.

São as conquistas econômicas concretas e conquistas políticas que fazem avançar a luta pela Reforma Agrária.

Vamos retomar os pontos de pauta de agosto do ano passado, quando realizamos marchas, lutas e montamos o Acampamento Nacional em Brasília. O conjunto do governo se comprometeu publicamente em cumprir com o acordado. Confiantes no acordo, desmobilizamos o Acampamento. Temos, agora, que retomar os pontos pendentes:

1. Atualização dos índices de produtividade

Lembrar o governo da dívida e do compromisso assumido publicamente nas negociações de agosto. O compromisso era fazer a atualização até o final do ano passado. Vamos cobrar o governo para que o compromisso seja cumprido.

2. Orçamento do Incra para a Reforma Agrária

O governo prometeu complementar o orçamento de 2009 em R$ 380 milhões para desapropriação de terras. Além de o governo não cumprir, deixou de aplicar R$ 190 milhões de um pacote de áreas que já estavam encaminhadas para imissão de posse, no final de dezembro.
Vamos reivindicar que o governo encaminhe com urgência ao Congresso um projeto de lei para o suplemento orçamentário para obtenção de terras neste ano.


Como não foi feito, o orçamento de 2010 foi reduzido para apenas R$ 480 milhões e está comprometido com áreas desapropriadas no ano passado. Portanto, para que o Incra possa responder a uma meta mínima, necessita de um suplemento orçamentário de pelo menos R$ 1,3 bilhões.

3. Assentamento das famílias acampadas do MST

Apesar das tentativas da burguesia de criminalizar a nossa luta, ainda temos mais de 90 mil famílias acampadas. O governo assumiu em 2003 o compromisso de assentar todas as famílias acampadas. Isso é prioritário. Aí está a essência do enfrentamento ao latifúndio. As nossas propostas são as seguintes:

a) Priorizar desapropriações de terras para o assentamento de todas as famílias acampadas do MST, conforme as negociações de agosto. Das 8 mil famílias novas assentadas em 2009, o nosso Movimento praticamente não foi contemplado. Aliás, esse número explicita claramente a falta de prioridade do governo.

b) Garantir recursos para as superintendências nos estados planejarem metas de vistoria e avaliações de imóveis para desapropriações, além de condições para manter as equipes técnicas em campo.

c) Priorizar o assentamento de novas famílias nas regiões de maiores conflitos e de maior mobilização, onde se concentram as famílias acampadas.

4. Crédito para Implantação

Mesmo com avanços importantes em função das mobilizações nacionais, principalmente com os chamados Créditos de Instalação (fomento, apoio mulher, habitação e semiárido), as dificuldades atuais estão na aplicação dos recursos.

A maioria dos servidores do Incra tem engessado o processo de aplicação dos créditos, que tem também aumentado consideravelmente os custos e a necessidade de funcionários. Esses servidores públicos poderiam atuar em outras atividades, ampliando consideravelmente a capacidade de operação.

Vamos fazer duas propostas: a edição de uma portaria para desburocratizar a aplicação desses créditos, garantindo mais rapidez e agilidade; e o estabelecimento da unificação dos procedimentos operacionais e repasse para as superintendências.

No caso do fomento de apoio às mulheres assentadas, o crédito foi regulamentado e, desde 2000, todas têm esse direito garantido. No entanto, a maiorias das secretarias regionais do Incra não aplicaram nenhum crédito dessa modalidade.

5. Crédito de investimentos e custeio

Infelizmente, as nossas propostas de criação de uma modalidade de crédito de investimento que se adaptasse à realidade dos assentamentos não foram atendidas.

O governo mantém os assentados na linha “A” do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que é insuficiente, não atende às necessidades e criou uma geração de inadimplentes. Até agora, a opção do governo tem sido apenas fazer ajustes.

É necessário continuar a pressão para que os assentados tenham uma linha de crédito específica. No entanto, vamos construir uma alternativa de negociação, propondo perdão ou anistia a todas as dívidas dos assentamentos, para que as famílias possam acessar novo crédito.

Vamos cobrar também a regulamentação do Programa de Assistência Técnica e do Pronera, além de outros pontos específicos. A partir dessa Jornada, devemos nos preparar para apresentar propostas para mobilizar o conjunto da sociedade para, num futuro bem próximo, garantirmos a realização da Reforma Agrária, como determina a Constituição.

Clique aqui e confira o mapa das ações por estado.
Clique aqui e veja fotos da jornada nos estados.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Fomentada pelo capital, Tragédia no Rio produz clima para novas ‘doutrinas de choque’

Escrito por Marcelo Badaró*


"Sou o monstro criado por ti
No lixão do Jaracati
Foi ali que vi minha mãe
Garimpando um rango pra mim
Foi ali que eu vi os irmãos
Todos negros com calos nas mãos
Atração pro boy que filmava
Da sacada de sua mansão
Foi ali que eu vi o contraste
Duas cidades em uma cidade
Foi ali que eu vi que nós éramos
Patrimônio da desigualdade"

O Imortal, Gíria Vermelha



Moro entre Niterói e Santa Teresa e escrevo quando muitos de meus vizinhos nos dois locais não têm mais onde morar, depois de três dias de chuvas que castigam o Grande Rio. Muitos outros não sobreviveram. Somente no Morro do Bumba, em Niterói, a estimativa é de que 200 pessoas possam ter morrido soterradas.

Estimativas, não dados precisos, porque aquelas pessoas que moravam na encosta de um antigo aterro sanitário são realmente tratadas pelo Estado como resíduos urbanos. Não há cadastramento da área para precisar o número de casas e pessoas atingidas. Mas o prefeito da cidade, o Sr. Jorge Roberto da Silveira (PDT), afirmou na véspera desse desabamento, quando o número de vítimas em Niterói já ultrapassava 60 pessoas, que o número de casas em áreas de risco na cidade era muito pequeno para justificar obras de contenção de encostas muito caras, sendo mais barato remover os moradores dessas áreas.
Nada a estranhar, partindo de um prefeito que tomou como prioridade asfaltar as ruas da Zona Sul (sem as devidas obras de drenagem) e construir torres panorâmicas, mas que destinou no Orçamento Municipal de 2010 apenas 50 mil reais para obras de redução de risco de desabamentos e escorregamentos de encostas, enquanto gasta mais de 2 milhões por ano somente com o custeio de um Conselho Consultivo, no qual reduz os riscos de amigos e correligionários com uma polpuda sinecura, conforme denunciou o vereador Renatinho (PSOL).

Para os trabalhadores e trabalhadoras mais pauperizados, que só encontraram aquelas encostas para morar, a solução "mais barata" é a remoção. Nada se diz, porém, das ocupações de outras encostas, tão ou mais irregulares e também sujeitas a deslizamentos de terra, como ocorreu na Estrada Fróes, área "nobre" para a especulação imobiliária da cidade, que há poucos anos conquistou concessões da prefeitura para construir um imenso condomínio de mansões e prédios de luxo em local que deveria ser destinado à preservação ambiental.

Remoção é, aliás, a palavra de ordem. O governador Sérgio Cabral (PMDB), ao lado do presidente Lula da Silva (PT) e com sua aprovação, apressou-se a definir os responsáveis pelas mortes: os moradores das favelas cariocas, que teimam em construir em áreas de risco. Por isso, afirmou a correção de sua proposta de construção de muros "ecológicos" de contenção (complementados, é claro, pelas placas de "isolamento acústico").
Tais instrumentos - passo adiantado para converter favelas e áreas periféricas de guetos, que já o são, em campos de concentração, para mais eficiência na ação dos caveirões e UPPs (todos "pacificadores") - agora são apresentados como solução para o problema das chuvas. Ao invés de urbanização das favelas, regularização do direito ao solo, construção de moradias decentes e contenção das encostas, a "contenção" das pessoas, pelos muros e armas. E se remoção é a solução, Cabral também anunciou que a Polícia Militar estava à disposição de todos os prefeitos para efetivar essa política.

Eduardo Paes (PMDB), o prefeito do Rio, que coincidentemente era o "prefeitinho" de César Maia na região da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, quando das também trágicas enchentes de 1996, é o que mais rapidamente se apresentou para defender a necessidade das remoções, amplas, gerais e irrestritas, classificando de demagogos os que a elas se opõem. A lista começa pelos moradores do Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, castigado pelas chuvas desta semana, mas logo se amplia para todas as favelas que já haviam sido listadas como prioritárias para remoção em função das Olimpíadas, em número muito superior ao de qualquer levantamento de áreas de risco na cidade.

Quanto à prevenção, agora se anuncia que o governo federal enviará 200 milhões para o estado do Rio de Janeiro. Tarde demais, como sempre, pois até aqui nenhum tostão foi enviado para obras de prevenção de enchentes e contenção de encostas este ano, e descobriu-se agora que o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), candidato ao governo baiano, enviou 50% das verbas federais de prevenção de desastres para a Bahia, enquanto o Rio recebeu menos de 1%. Mas não se desesperem os que estão sem teto por conta das chuvas, pois o governo federal liberou os saques das contas de FGTS (dinheiro do próprio trabalhador) dos atingidos. "FG o que?", perguntam os milhares de trabalhadores precarizados que foram atingidos por esse desastre.

O caso é que hoje, como tudo na sociedade de classes instituída pelo poder do capital, as tragédias não são vistas pelo mesmo ângulo por todos. Para os interesses do capital imobiliário, da construção civil, dos monopólios do transporte e serviços públicos e de seus representantes, eleitos para ocupar os governos através de campanhas que financiam com fartura de recursos, as tragédias, como tudo mais, são bom negócio.
Naomi Klein, no livro "A doutrina do Choque", documentou e analisou como crises econômicas, catástrofes naturais (furacões, terremotos, tsunamis) e guerras são cada vez mais instrumentalizadas pela lógica do capital, como momentos "excepcionais", em que grandes comoções criam o clima necessário para a aplicação das doutrinas de choque, com retirada de direitos, privatizações e criminalizações (ver a esse respeito a entrevista publicada na revista Classe, no. 1).

Nada mais apropriado para se entender o Brasil de hoje e, em especial, o Rio de Janeiro. Aqui, na terra dos "choques de ordem", a tragédia fomentada pelo capital – que transforma o solo urbano em uma de suas principais áreas de investimento e especulação, inviabilizando a moradia e vida digna da maioria da classe trabalhadora – não está sendo pranteada pelos governantes. Dias de luto oficial e lamentos na TV não escondem as comemorações daqueles que nada fizeram para prevenir desastres, porque esperam por eles, para impingir mais "choques" à população. A nós cabe, sim, a comoção com a tragédia que retira tantas vidas, mas também a indignação, semente da reação, que não pode tardar.

*Marcelo Badaró é professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense.
Publicado originalmente no site Correio da Cidadania

sábado, 3 de abril de 2010

Infiltração e repressão: Serra repete práticas de Yeda

Policial à paisana carrega PM ferida durante protesto de professores. Observação: a primeira versão dessa legenda informava erroneamente que o policial à paisana era um manifestante (Foto: Rodrigo Coca/Foto Arena/AE )


Divulgamos o texto públicado no Carta Maior à respeito das semelhantes práticas utilizadas por governos tucanos para reprimir e criminalizar os movimentos sociais em SP e no RS.

Marco Aurélio Weissheimer

O governo José Serra (PSDB) adotou as mesmas táticas policiais utilizadas pela também tucana Yeda Crusius no Rio Grande do Sul. Integram essas táticas, entre outras, duas medidas básicas: reprimir violentamente protestos e manifestações de ruas e infiltrar policiais a paisana nestes protestos e manifestações. O episódio da foto onde um homem carrega uma PM ferida nos protestos de 26 de março expôs, involuntariamente, esse tipo de prática.

Inicialmente, um texto do jornalista Leandro Fortes reproduziu a versão difundida pela Agência Estado dando conta de que o homem era um manifestante que participava do ato dos professores. Diante da repercussão causada pela foto, dois dias depois, o comando da PM de São Paulo divulgou uma nota garantindo que se tratava de um policial à paisana “que estava passando por ali por acaso”. A PM negou tratar-se de um “infiltrado”, mas negou-se a divulgar o nome do mesmo o que só reforça a tese de que se tratava de um homem do chamado “serviço de inteligência” da polícia.

Uma das regras básicas do trabalho desse “serviço de inteligência” é não ser identificado publicamente. Vale tudo para assegurar o anonimato, desde disfarçar-se de manifestante ou mesmo de jornalista. No dia 30 de abril de 2009, um homem, apontado por manifestantes como sendo agente da PM2, o serviço secreto da Brigada Militar (a PM gaúcha), usou indevidamente o nome da Carta Maior ao infiltrar-se em uma manifestação de servidores públicos contra o governo Yeda Crusius, em Porto Alegre, e fazer fotos dos manifestantes.


Não foi a primeira vez que servidores de órgãos de segurança disfarçaram-se de fotógrafos no Rio Grande do Sul, identificando-se como profissionais de imprensa para espionar manifestações de sindicatos e movimentos sociais. Em geral, essa prática conta com a cumplicidade (pelo silêncio) da imprensa local, que tem conhecimento da mesma, mas não fala no assunto.

O papel dos infiltrados é duplo: recolher informações e fazer fotos de manifestantes, por um lado; e, eventualmente, dar início a provocações que levem a distúrbios e conflitos que, posteriormente, serão atribuídos aos manifestantes. Essa prática, aplicada várias vezes contra sem terras, professores e servidores públicos no Rio Grande do Sul, é repetida agora em São Paulo com as acusações de que os professores em greve seriam “baderneiros” e responsáveis pelos conflitos com a polícia.

A decisão do PSDB de São Paulo de entrar na Justiça contra o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo também segue a mesma cartilha utilizada pelo governo Yeda no RS. Segundo a representação encaminhada em conjunto pelo PSDB e pelo DEM, “o movimento se organiza em torno de palavras de ordem e outras manifestações que tendem a interferir no âmbito eleitoral, partidarizando o movimento”.

No Rio Grande do Sul, dirigentes sindicais, jornalistas e lideranças de movimentos sociais já perderam a conta do número de processos, no âmbito civil e criminal, movidos pela governadora Yeda Crusius. O Ministério Público do Rio Grande do Sul chegou a determinar, em 2009, a retirada de cartazes e outdoors que faziam parte de uma campanha de sindicatos de servidores públicos e movimentos sociais denunciando casos de corrupção envolvendo o governo Yeda. A atual presidente do Centro de Professores do Estado do RS (CPERS/Sindicato), Rejane Rodrigues, está sofrendo vários processos, um deles por ter participado de uma manifestação em frente à casa da governadora.

O fato é que os governos tucanos apresentam uma uniformidade no trato com manifestações sociais: o que domina é a lógica da repressão, a ausência do diálogo e a aversão ao contraditório. O uso de policiais infiltrados nas manifestações é típico de tempos autoritários, onde a “interlocução” de governos com a oposição é feita nos subterrâneos, com práticas nada transparentes. Não é por acaso, portanto, que cenas e práticas similares vêm sendo vistas nas ruas de São Paulo e do Rio Grande do Sul.