terça-feira, 30 de agosto de 2011


Contribuição da Juventude LibRe – Liberdade e Revolução para o I Seminário Nacional de Universidade Popular


Reestruturação da Universidade em curso


Embora o atual projeto do capital para a educação inclua a expansão da universidade para uma massa de jovens a quem antes ela era inacessível, ele a subordina cada vez mais intimamente ao modelo de sociabilidade marcado pela lógica do lucro, pela exploração e hiperconcentração das riquezas produzidas pelo povo. Essa é a verdadeira face desta dita “reforma universitária”, na realidade uma grande contra-reforma universitária.


O ensino superior brasileiro está sendo colocado cada vez mais diretamente a serviço do mercado, da lógica do lucro e do modelo de sociabilidade explorador e concentrador vigente. E isso ocorre na contramão das demandas populares e da função social que a universidade deveria ter - qual seja, contribuir para a resolução das demandas populares e das graves deficiências sociais que marcam o país em que vivemos. A Universidade brasileira vem sendo marcada por uma grande contra-reforma, com mudanças importantes nos tempos da ditadura civil-militar (a exemplo dos acordos MEC-USAID) e um aprofundamento nos anos 90. Na chamada “era FHC” e nas gestões petistas (Lula e Dilma), tal reestruturação vem caminhando a passos largos. Seja através da alteração no caráter da formação - cada vez mais voltado às demandas de qualificação de mão-de-obra exigida diretamente pelo mercado - ou de sua desvinculação com a produção de conhecimento (pesquisa) e a extensão. A expansão de vagas igualmente está subordinada a essa lógica, repercutindo em uma expansão das redes privadas e uma precarização em várias instituições públicas. A formação universitária no ritmo do capital tende a seguir uma forma rasteira e rápida. Isso ocorre através de projetos como a Universidade Nova - já em voga na UFBA - que tem como marco o Bacharelado Interdisciplinar, no qual o es tudante se forma em uma área de conhecimento ampla (por exemplo, humanidades) para depois prestar uma espécie de segundo vestibular e poder completar sua formação. Também programas como Universidade Aberta do Brasil (UAB) e Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP) – este último propondo-se a formar um grande quantidade de professores à distância – massificam sem critérios o EaD a custos baixíssimos (não negamos, logicamente, que o EaD tem muitas utilidades no ensino em condições especiais, como para pessoas com dificuldade de locomoção), além de outras medidas que aliam expansão e precarização da universidade. O Plano de Apoio a Expansão e Reestruturação das Universidades Federais (REUNI), por exemplo, demanda das Federais o atingimento de metas incompatíveis com a contrapartida estatal. Exige uma expansão desproporcional do número de vagas em relação às verbas que o programa diz dispor (o dobro do número de alunos para um aumento de 20% das verbas para docentes e funcionários, verbas estas condicionadas à dotação orçamentária do MEC, que já tem sofrido cortes). Essa lógica instiga a separação entre um grande número de “escolões de 3º grau” - responsáveis pela formação e meramente reprodutores do conhecimento - e um restrito número de centros de “excelência”, que ficariam responsáveis pela produção de conhecimento, retirando o caráter crítico e criativo do saber e do sistema universitário como um todo. Soma-se a isso o abandono da extensão - que deve ser o espaço de retorno do que se produz e ensina na academia à sociedade. Em suma, a desarticulação do tripé ensino-pesquisa-extensão retira da universidade a função que esta deveria cumprir enquanto formuladora de soluções para os graves problemas sociais que afligem nosso povo. Mas a educação não só pode estar vinculada a lógica do capital, como ela mesmo pode ser transformada em mercadoria. Nas últimas duas décadas vimos ocorrer uma estrondosa expansão do ensino privado no Brasil. Ela ocorre seja através de programas de enorme favorecimento aos setores empresariais do ensino, seja na privatização velada (em alguns casos aberta) da Universidade Pública. Assim, expansão do ensino superior (público e privado), a gradativa retirada da autonomia universitária (que obriga as instituições públicas a captarem recursos privados) e a desarticulação do tripé ensino-pesquisa-extensão inserem-se numa mesma lógica de reestruturação do ensino superior que fazem parte da agenda neoliberal para a educação. O atual projeto do capital para a educação – ao incluir a expansão da universidade para uma massa de jovens a quem antes ela era inacessível - traz elementos complexos ao cenário político, pois traz novos atores a cena universitária (o que cria contradições para a manutenção do caráter elitista da Universidade) ao passo que desvia a atenção para a essência conservadora das políticas em curso. Tais diretrizes mantém a diferenciação entre a educação direcionada aos pobres e a destinada a formação da classe dominante. É preciso questionar não só por quem a Universidade é composta, mas para quem ela serve. Não basta que a Universidade passe a ser composta também pelos “de baixo”, mas é preciso que ela se coloque a serviço destes. A universidade não está hoje mais a serviço dos “de baixo” do que esteve noutros tempos. Ao contrário, o atual projeto em curso a coloca cada vez mais intimamente ligada às demandas do grande capital e de sua reprodução, estreitamente em consonância com o modelo de sociabilidade marcado pela lógica do lucro, da exploração e hiperconcentração das riquezas produzidas pelo povo. Essa é a verdadeira face desta dita “reforma universitária”, na realidade uma grande contra-reforma universitária.

É necessária a formulação de uma estratégia!

Tornar a formular uma estratégia conjunta dos setores que lutam pela universidade é fundamental para voltarmos a incomodar a ordem do capital.


Diante disso, a grande maioria das lutas estudantis e universitárias dos últimos anos têm se caracterizado pela reação defensiva às diversas etapas de implementação desse projeto, revelando-se incapazes de fazer um contraponto à altura. À contra-reforma que vem em fatias, só temos conseguido oferecer respostas reativas igualmente em fatias, que por isso se revelam impotentes. Se por um lado este refluxo se explica pela atual fragilidade da esquerda, por outro lado a fragilidade da esquerda também é explicada pela ausência de uma estratégia que oriente respostas mais efetivas à atual conjuntura. Na década de 1960, a UNE construiu e defendeu uma Reforma Universitária que fazia parte de um processo de crítica permanente ao sistema de educação do capital - uma prática que existia dentro da esquerda e que precisa ser resgatada. Defendia-se um projeto no qual a universidade fosse voltada à resolução dos problemas essenciais do povo brasileiro. A Reforma Universitária defendida pela UNE fazia parte das reformas de base pelas quais as classes trabalhadoras se mobilizavam naquele momento, junto com a Reforma Agrária e outras bandeiras. Eis um exemplo histórico de políticas que colocaram na defensiva nossos principais inimigos: o imperialismo, os monopólios e o latifúndio. A universidade cumpre papel estratégico na estruturação e manutenção da ordem social estabelecida. Seja na ciência produzida – que crescentemente vem sendo incorporada no processo produtivo capitalista –, na formação de administradores da ordem (do Estado ou empresariais) ou mesmo na produção de consensos ou verdades que justificam determinada correlação de forças da luta de classes. Portanto, a disputa da universidade, da formação e da ciência nela produzidas têm grande contribuição a dar para a construção de um processo de transformações sociais no Brasil. Para isso é preciso constituir um projeto alternativo de universidade. Um projeto dos “de baixo”, que se ligue às demandas históricas das classes trabalhadoras e dos movimentos sociais organizados. Que se articule com suas lutas e com o projeto histórico de transição para uma sociabilidade “para além do capital”.. A Universidade Popular, ao contrapor-se ao projeto de educação do capital em todos os seus pontos, direta ou indiretamente, provavelmente não irá se concretizar nos marcos da sociedade capitalista e da atual correlação de forças. Todavia, muitos de seus pontos sensíveis podem ser conquistados ainda nos marcos desta ordem – e devem sê-lo. A plataforma estratégica da Universidade Popular deve servir de orientação para as táticas a serem adotadas nas lutas que os movimentos universitários (técnicos, alunos e professores) travam cotidianamente no choque contra o modelo de universidade vigente. Tal perspectiva significa um avanço qualitativo nas formas de luta contra o atual modelo de Universidade.
Não se trata, portanto, de ter a Universidade Popular como mais uma bandeira do movimento estudantil, docente e dos técnico-administrativos, mas constituir um horizonte estratégico comum para a universidade. Que dialogue com o projeto de transformação da sociedade que nasce das lutas sociais que se chocam com o capital. Assim, no terreno concreto, a luta por uma Universidade Popular se dá através de diferentes táticas que se ligam à estratégia para a sua implementação e que envolvem muitas esferas da vida universitária. As variadas táticas devem levar em conta as particularidades locais e sua correspondência com o projeto universitário global da classe dominante e a estratégia para derrotá-lo. As ferramentas organizativas que nos ajudarão a cumprir essa tarefa não estão dadas de antemão. É preciso criar “novas” e, quando for adequado, saber potencializar as “tradicionais” – sem sectarismos ou dogmatismos. Nesse momento o foco central para a reorganização do movimento universitário (e em especial o movimento estudantil) não passa pelas polêmicas em torno da possibilidade de disputa das entidades. Não conseguiremos achar uma solução pelo topo enquanto seguimos fragilizados na base, alcançado no máximo alianças esporádicas e fragmentadas. Tornar a formular uma estratégia conjunta dos setores que lutam por uma outra universidade é fundamental para voltarmos a incomodar a ordem do capital, e para nós ela sintetiza-se em uma tarefa, que gritamos a plenos pulmões:
Criar, criar, Universidade Popular!









Programação Completa

1º Seminário Nacional de Universidade Popular
Porto Alegre - 2, 3 e 4 de setembro de 2011
Programação:

 
 
Sexta-feira (02/09)

17h - Aula Pública sobre Universidade PopularLocal: Pátio da Faculdade de Educação (Campus Centro - UFRGS)

19h - Mesa de abertura: Universidade que temos e Universidade que queremosConvidados:
Eliane Martins 
(Movimento dos Trabalhadores Desempregados)
José Paulo Netto (Professor da UFRJ)
Paulo Rizzo 
(Ex-presidente da ANDES-SN e professor da UFSC)
Local: Salão Nobre da Faculdade de Direito (Campus Centro - UFRGS)

Sábado (03/09)

9h - Abrindo Caminhos para a Universidade PopularConvidados:
Alexandre Aguiar (Professor da UFG)
Glauco Araujo (Grupo de Trabalho Universidade Popular)
Mauro Iasi (Professor da UFRJ)
Rodrigo Suñe (Federação do Movimento de Estudantes de História - Santa Maria/RS)
Local: Salão Nobre da Faculdade de Direito (Campus Centro - UFRGS)
14h - Grupos de Discussão TemáticosLocal: Faculdade de Educação (Campus Centro - UFRGS)
  • Ciência e Tecnologia;
  • Autonomia e Democracia;
  • Formação Profissional e Educação Popular;
  • Função Social da Universidade: para que(m)?;
  • Acesso e Permanência: possibilidades e limites.
19h - Experiências e Transição Convidados:
Eleazar Melo 
- Venezuela
Escola Nacional Florestan Fernandes
Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM)Local: Sala 101 - Faculdade de Educação (Campus Centro - UFRGS)


Domingo (04/09)

8h30 às 10h30 - Oficinas, Painéis e Apresentação de Grupos de Extensão PopularLocal: Colégio de Aplicação da UFRGS (Campus do Vale - Av. Bento Gonçalves, 9500)

10h30 às 12h - Plenária Final 
Local: Colégio de Aplicação da UFRGS

Entre em contato com a comissão organizadora!
senup2011@gmail.com
senup2011.blogspot.com

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

120 mil pessoas dizem não à educação de Pinochet

Mais de 120 mil pessoas participaram da última marcha convocada pelo movimento estudantil – já foram sete desde que começaram as ocupações e greves em colégios e universidades – que exige uma reforma estrutural no modelo educacional vigente no Chile há mais de 30 anos. A bandeira de luta – que se mescla com as dos trabalhadores do setor de mineração do cobre, dos desempregados, dos ecologistas, dos sufocados pelo sistema creditício, entre outros milhares de anônimos cansados dos abusos – é o fim da lógica de mercado no setor, além da volta da gratuidade da educação pública para os setores de menor renda da população. Cerca de 200 mil pessoas saíram tranquilamente às ruas do país para protestar contra um governo de direita que já não os representa.

A nova mobilização demonstrou a ampliação do apoio aos estudantes e o suporte que sustenta um movimento que já dura dois meses e que se fortaleceu com o apoio de 80% da sociedade às reivindicações estudantis, segundo as pesquisas.

E os números se concretizaram nas ruas. Na manifestação desta terça-feira, participaram também alunos de colégios privados do setor mais acomodado de Santiago, diversos professores, apoderados, trabalhadores públicos e representantes de sindicatos empresariais que aumentaram sua solidariedade com os estudantes, após a feroz repressão do governo de Sebastian Piñera na semana passada. Foram detidos mais de 600 jovens, devido à estratégia das autoridades de não autorizar a marcha para aumentar a raiva e criminalizar o movimento social.

O dia ensolarado de ontem ajudou a criatividade dos estudantes. Jovens disfarçados como o ex-presidente Salvador Allende, simbolizavam o que era o Chile antes do golpe militar de 1973: uma sociedade menos opulenta no consumo de bens e serviços, mas com um sistema educacional grátis para todos. “E vai cair, a educação de Pinochet”, escutava-se em meio à fila interminável de manifestantes”. Algumas quadras além, um avô mostrava com orgulho um cartaz que dizia: “marcho para que meus netos tenham educação gratuita como eu tive”.

O eixo das reivindicações do movimento estudantil é justamente uma demanda estrutural que foi bloqueada por décadas, desde o governo militar, passando pelos governos da Concertação. Por isso, nos desfiles de cada marcha, encontram-se grandes bonecos que são réplicas dos últimos quatro presidentes desde que, em 1990, o Chile retornou à democracia, representando as reformas cosméticas feitas na educação, aprofundando a participação do setor privado em um bem social.

Esse é também um dos motivos pelos quais a paciência dos cidadãos e estudantes está se esgotando: os bancos são os grandes protagonistas na histórica do lucro na educação, porque com o papel subsidiário do Estado, imposto por Pinochet, o setor financeiro privado pode administrar os recursos fiscais aplicados em uniformes para os jovens, mas com a cobrança adicional de juros mensais superiores inclusive aos cobrados sobre créditos imobiliários. Juan, um jovem formado em Direito, afirmava com outro cartaz: “estudei 5 anos e terei que pagar 20”.

Outras jovens universitárias, carregando uma bandeira chilena, reclamavam a mesma coisa: “É a mesma coisa que se eu tivesse comprado uma casa”, dizia uma delas.

Atualmente, mais de 100 mil estudantes encontram-se em situação de inadimplência, com uma dívida média de 2.700.000 milhões de pesos chilenos (mais de US$ 5.000). Em um país em que mais de um milhão de pessoas recebe por mês salários mínimos de US$ 377, é perfeitamente possível entender como os mais pobres ficam fora da universidade, enquanto que as classes medidas ficam empobrecidas por décadas.

O desenvolvimento das chamadas universidades-empresa é a cereja do bolo, uma vez que funcionam por meio de direções privadas que não asseguram a adequada informação de qualidade e transparência. Nelas, a gestão da educação obedece à lógica do baixo custo em salários de professores e material acadêmico, e altas receitas das mensalidades, usufruindo dos subsídios de educação fornecidos pelo Estado.

Uma estória a parte neste processo de aperta/afrouxa entre a sociedade civil e o governo de direita é a resposta mínima do presidente Piñera às demandas estudantis. Até o momento, foram feitos tíbios anúncios de maiores recursos (US$ 4 bilhões), sem detalhar, porém, como e a forma de financiamento.

Mostrando o figurino da ortodoxia neoliberal da atual administração, os ministros do setor econômico descartaram uma eventual reforma tributária para aumentar os impostos das empresas, o que significou jogar gasolina no fogo dos estudantes.

A jornada desta terça foi marcada por outro elemento que fez lembrar os piores momentos perpetrados pela ditadura de Pinochet: os supostos “infiltrados” da polícia chilena nas mobilizações.

Segundo as lideranças estudantis, em cada marcha há policiais à paisana nas ruas para incendiar os ânimos e agitar as marchas. Essa suspeita se fortaleceu em Valparaíso, cidade-porto onde se localiza o Congresso Nacional. Durante a marcha, um grupo de manifestantes identificou, denunciou e perseguiu um possível policial infiltrado, que escapou, escondendo-se no Congresso. As autoridades do governo garantiram que investigarão este fato a fundo.

Todos esses temas de fundo cruzam cada marcha dos estudantes chilenos, temperadas agora pelos chamados “panelaços” em apoio às mudanças estruturais na educação realizados por milhões de chilenos há uma semana em todas as cidades do país, tal como se fazia nos protestos contra a ditadura de Pinochet nos anos 80. As únicas pessoas que não ouviram essas demandas trabalham no Palácio de La Moneda, onde o presidente Piñera ainda não se pronunciou.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Publicado em Carta Maior