domingo, 11 de agosto de 2013

De 2013 a 1968: Juventude LibRe embarca numa viagem no tempo

Uma viagem no tempo: contemplados pelo saber e munidos com esperança. Talvez essas duas orações confirmem o sentimento coletivo da Juventude LibRe (SP), no último sábado (10), durante as atividades em São Paulo.

Na noite de sexta-feira (9) foram poucas as horas de sono. A ansiedade pelo dia seguinte não nos deixou pregar os olhos. O destino seria o centro de São Paulo, onde, primeiramente, iria ocorrer um debate na Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec) sobre as manifestações de junho deste ano. Na sequência, partiríamos para o Memorial da Resistência, logo ali, ao lado. 

Chegando na Fatec, sentamos no fundão – típico lugar geográfico da periferia. Lá na frente, a mesa do debate, formada por cinco pessoas. De um lado, dois senhores – um sindicalista e um professor do IFSP. Do outro, três jovens – dois integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) e outro representante do Movimento Hip Hop e da LibRe. Esse último, podemos chamar de ‘mano Wesllen’.





Ambos debatedores tentaram entender o que ocorreu em junho, durante os protestos contra o aumento das tarifas do transporte público em São Paulo. Coerência de um lado, impaciência do outro – aqui, no sentido inverso da apresentação dos que compuseram a mesa.

Ficou nítido o nervosismo e a incompreensão dos mais velhos. Um verdadeiro ‘choque de gerações’. Para uma plateia composta por jovens, eles, os mais velhos, não conseguiram dialogar. Os outros – MPL e mano Wesllen – mandaram bem, tirando, inclusive – sem protagonismo – aplausos calorosos do público.

Aqui, vale ressaltar, não estamos pretendendo qualificar o debate segundo a faixa etária dos companheiros. Pelo contrário. Todo respeito aos mais velhos. Pena que eles perderam a linha junto com o pipa e o carretel. Os jovens ‘cortaram e apararam’, sem cerol, os papagaios - no sentido literário da palavra - dos mais velhos. Sim, papagaios! Bons para falar, mas não encontraram horizonte para alçar seus voos explanatórios. Em suma, os mais velhos, com os velhos métodos, perderam o bonde da história, e agora querem pegar carona e irem, ainda, na janelinha do bonde. Porém, as pessoas estão cansadas do velho método. Elas exigem mudanças e participação! E isso ficou mais do que transparente nas manifestações de junho – algo que eles não perceberam, ou não quiseram perceber.



Outro detalhe que ocorreu – e de extrema importância – foi lembrado pela companheira Irenita, vulgo ‘menininha’ – segundo Wesllen . Menininha, ao se dirigir aos debatedores, indagou sobre a importância das mulheres na luta social e questionou o por quê não havia participação feminina na mesa. Após aplausos intensificados do público, a mesa, por unanimidade, reconheceu a falha. Depois da manifestação de menininha, algumas ‘feministas’ saíram do armário. Uma, inclusive, foi até a frente do palco para que a atenção fosse direcionada a ela. Menininha, pequena no tamanho e grande na coragem, observou a atitude da tal feminista e acrescentou categoricamente: “É importante combatermos o machismo de dentro para fora. Não adianta criticar as pessoas, quando nós (mesmo sem perceber), fazemos as mesmas coisas.”

Enfim, o debate se encerrou. Mano Wesllen e os integrantes do MPL saíram coroados, sem coroas. Foram sucintos e diretos em suas explanações. Sem rodeios. Sem curvas. Mano Wesllen se destacou como o sujeito periférico da cena! Periferia é foda, mano! Nois representa memo!


No Memorial

Partimos, então, conforme o combinado, para o Memorial da Resistência, na Luz. Fomos atrás do alimento do saber, de barriga vazia. Sim, estávamos sem comer, e o estômago começava a requisitar o cérebro e, esse, por sua vez, projetava dores na cabeça e baixa resistência no corpo físico. A indagação veio: vamos comer primeiro? A resposta foi de acordo com o horário: era 13h00, portanto, não! Tínhamos agendado a visita ao Memorial, às 13h30, por isso, não daria tempo de comer nem um pão de queijo. Partimos rumo ao nosso destino.

Bastou pisar no Memorial para que o nosso anfitrião chegasse logo em seguida. Trata-se de Alípio Freire, ex preso político que ‘morou’ no lugar onde iríamos visitar. O hoje chamado Memorial da Resistência, foi o antigo Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS), local onde os militares levavam as pessoas que faziam oposição ao regime ditatorial para torturar, sangrar e, inclusive, matar. Alípio ficou lá por alguns meses. Viu cenas de horror, sentiu na pele o verdadeiro significado da tortura. Mas ele, por incrível que pareça, não quis se fazer de coitado. Não queria, como em alguns filmes que retratam o período, passar apenas as impressões do sofrimento daquela época. Alípio, de maneira bem humorada e didática, quis, simplesmente, que aflorássemos o nosso censo crítico, mostrando que, além das torturas, a estrutura política por de trás do regime era composta, inclusive, pela classe empresarial. Sem o patronato, segundo Alípio, o golpe nem teria acontecido. A ditadura, portanto, foi Civil-Militar, e não apenas militar, como muitos designam. “Patrão bom é patrão morto”, disse Alípio.




Visitamos as celas e os corredores do antigo DEOPS. Vimos as pichações nas paredes com os nomes de algumas pessoas que passaram por lá. Ouvimos os depoimentos de alguns presos políticos da época. Ficamos impressionados com tudo aquilo. Conhecíamos, ouvimos falar, mas nunca tivemos um contato tão próximo com a realidade daquele período como desta vez. A fome? Que fome? Com tudo isso – e muito mais – de aprendizado, havíamos esquecido de que estávamos com fome. Ou então, estávamos saciando a nossa fome com outro tipo de alimento: o saber. E foi com esse alimento que saímos do museu, após uma rodada de café, chá, refrigerante e todinho. Nada de comida.









Partimos para o parque, ali mesmo na região, com o objetivo de trocarmos as nossas impressões sobre as duas atividades que acabáramos de exercer. Em meio às folhagens secas, caídas neste inverno, que é um misto de outono e verão – e porque não, de primavera – sentamos em círculo. Cada um falou o que sentiu. Em cada frase pronunciada, um sentimento sincero. Dava para observar nos olhos de cada um. Foi Kawaii (fofo, em japonês, segundo a Irenita).

Partiu Cotia, então? Vambora! Mas se engana quem pensa que as atividades encerraram ali. E a fome? Passava das 18h e não tínhamos comido nada! Pois é, cada um comeu quando chegou em sua residência, afinal, a resistência também se integra neste contexto.

Em Cotia

Passava das 19h quando chegamos em Cotia. Outra atividade estava marcada para às 23h. Cacete! Essa juventude é maluca! Por que não foram descansar ao invés de se desgastarem mais? – perguntaria qualquer pessoa normal. A resposta é simples: somos anormais.


Querem saber como foi a última atividade? Participem então da Juventude LibRe! Ajude-nos na construção de um outro modelo de sociedade! Vamos romper as estruturas desiguais proporcionadas pelo capitalismo! Liberdade só vem através de uma Revolução! E Revolução só se concretiza se tivermos organização!

Viva a Juventude, a Liberdade e a Revolução! 

Os 23 dias que abalaram a FACED

Culpadas!

Esse é o veredicto da surpreendente ação protagonizada pelo Movimento Estudantil da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), encabeçada por perigosas estudantes do curso de Pedagogia da FACED (Faculdade de Educação). A acusação que repousa sobre elas? Formação de quadrilha. Sim! Uma perigosa quadrilha, munida de armamento pesado: cultura, diversão e arte.

Não está entendendo nada? Tá. Então vamos explicar.

1)      Antecedentes:

Toda universidade tem problemas com espaços estudantis. Isso não é, nem nunca foi novidade. A luta por espaços estudantis é pauta permanente do M.E., e sempre constitui uma bandeira politizadora, que traz consigo um importante debate sobre o caráter do ensino universitário.

Na FACED-UFRGS isso não foi diferente. O DAFE (Diretório Acadêmico de Pedagogia) nunca teve um espaço digno para comportar sua demanda por vivência e integração entre os estudantes. A entidade sempre foi alocada em salinhas pequenas, onde mal dava para as gestões do diretório se reunirem.

E enquanto isso, bem ao lado do saguão da faculdade (ali, bem debaixo do nariz de todo mundo), um espaço que outrora havia sido cedido para uma lanchonete [falida e endividada] servia como depósito de materiais descartados. Diante desse descaso, o DAFE resolveu agir. E não foi pra menos: primeiro fez um abaixo-assinado pela cessão do espaço ao diretório, recolheu apoio de professores, se manifestou publicamente. E a diretoria da FACED? Fez que não era com ela.

Perante o silêncio e a inércia da burocracia universitária, só restou uma opção às estudantes da Pedagogia: ocupar aquilo que, no fundo, sempre foi delas.

2)      A quadrilha

No dia 10/07, no ritmo de festa junina, ao sabor de salgadinhos, refrigerantes e leitinhos, vestido de camisa xadrez e chapéu de palha, o vandalismo tomou conta da FACED. Segue o vídeo de como foram os primeiros minutos de ocupação do espaço: http://youtu.be/gxGlrlpHAUo

Pois é. Quem disse que o M.E. precisa ser sisudo e careta? A quadrilha impôs à ocupação o clima que ela teria nos próximos 23 dias: cultura, diversão e arte. Porque é assim que deve ser um espaço de vivência construído por estudantes: plural e democrático. Nesse tempo todo, o DAFE tomou o cuidado de aliar pluralidade com organização impecável, de forma a tornar o espaço habitável e construído coletivamente não só pela estudantada da FACED, mas também por outras entidades estudantis da UFRGS.



Ressalte-se a importante atuação de militantes do DCE (Diretório Central dos Estudantes) e da APG (Associação de Pós-Graduandos) que não arredaram pé da luta, sempre ao lado da galera da Pedagogia. Outros CA's e DA's também deram total apoio ao movimento, como o DAECA (DA de Economia), o CHIST (CA de História),o CECS (CA de C.Sociais), o DAQ (DA de Química), dentre outros. Essas entidades, junto do DAFE, foram responsáveis por fomentar incansáveis debates políticos nas assembleias e nos fóruns da ocupação, tornando o espaço um verdadeiro laboratório de Movimento Estudantil.

Entre um debate e outro, atividades das mais diversas possíveis. De oficinas de dança, a oficinas de cerâmica. Do ping-pong, à visita de professores de outros países e estudantes de outras universidades e outros estados. Dos almoços coletivos em conjunto com os funcionários terceirizados da universidade e com a ASSUFRGS (sindicato dos servidores da UFRGS), à visita do cartunista Latuff – que deixou seu apoio irrestrito ao movimento. Ao invés de ficar listando o que rolou em 23 dias de mobilização, é mais fácil perguntar o que não rolou...


Latuff dando um salve de apoio ao movimento

Charge do Latuff

Bixetes do 2º semestre sendo recebidas no espaço

Funcionários terceirizados da universidade jogando um ping-pong na frente da ocupação

Debate do Grupo de Estudos feministas das estudantes da Letras da UFRGS

Apresentação musical na ocupação


3)      O desfecho: VITÓRIA

Na última quinta-feira (01/08), a galera deu início à desocupação do espaço. O movimento  conquistou uma importante vitória parcial e celebrou junto à direção da FACED um acordo que concede o empréstimo do espaço ao DAFE pelo período 90 dias. De fato, a oficialização ainda precisa ser deliberada pelo Consuni (Conselho da Universidade). Entretanto, caso o Conselho não delibere a cessão definitiva, o empréstimo poderá ser renovado pela FACED. O acordo foi firmado em ato realizado na própria ocupação, e recebeu a tão aguardada assinatura da diretora Simone Valdete dos Santos, que acabou por reconhecer a vitória do movimento.

Ato público para assinatura conjunta do termo de empréstimo do espaço em 01/08

Gurias do DAFE celebrando termo junto à diretora da FACED, Simone Valdete dos Santos

E, bem... Como o movimento terminou? Assim como começou: em ritmo de festa junina. A luta ainda vai continuar. Nos próximos meses o DAFE tem o desafio de manter o espaço em pé, habitado e com atividades políticas e culturais.

Segue a carta final, elaborada pelos ocupantes:

Apenas começamos...

“Do rio que tudo arrasta se diz violento, porém ninguém diz violentas as margens que o comprimem.” Bertolt Brecht

Na manhã do dia 10 de julho de 2013 iniciou-se a ocupação do espaço anteriormente locado ao Café FACED. Vinte e três dias se passaram desde a festa junina que marcou a entrada em “quadrilha” na sala que, naquele momento, servia de depósito para materiais já sem uso.
De lá para cá fizemos desse espaço ocioso um lugar vivo: repleto de formação, cultura, diversão e arte. As portas que se abriram trouxeram ventos que varreram a poeira do conservadorismo, muros foram derrubados, o marasmo deu lugar à alegria. É esse o sentido pedagógico da ação de ocupação, tantas vezes mal compreendida ou caluniada.

Hoje assinamos publicamente o acordo entre o Diretório Acadêmico da Faculdade de Educação (DAFE) e a Direção da FACED que permite a desocupação deste espaço. Chegar até ele não foi fácil, uma vez que ele ainda não contempla o objetivo principal do movimento estudantil da UFRGS: a cessão definitiva do espaço ao DAFE, que tem o compromisso de abrigar na sua sede um espaço livre para atividades de formação e todas as formas de manifestação artístico-culturais da comunidade. Este acordo foi a mediação possível no atual momento, para que o diálogo ganhe novo fôlego e a democracia frágil de até então ganhe nova chance de prosperar.

Utilizaremos o empréstimo formalizado hoje como o laboratório da práxis, que provará na prática a capacidade de organização dos estudantes; que mostrará a todos como funciona um espaço verdadeiramente aberto; que realizará no presente aquilo que queremos para o futuro. Essa é a vitória parcial que hoje conquistamos.

Entretanto, sabemos que a verdadeira vitória somente se dará com a cessão definitiva do espaço ao DAFE. Nossa campanha por essa formalização seguirá e apresentaremos nossa proposta e intenções para todas as pessoas e em todos os lugares. Mais do que isso, exigimos e seguimos demandando uma ampliação cada vez maior do debate público. Dele não nos furtaremos e não o tememos.
Cumpridos.

Estaremos vigilantes para que os compromissos assumidos sejam plenamente.

Lutar também é educar! ‪#‎OcupaFACED

“[...] todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje [...]. Temos de saber o que fomos para saber o que seremos.” Paulo Freire

Gurizada finalizando o período de ocupação em ritmo de festa junina