sexta-feira, 18 de junho de 2010

As muitas violências contra os moradores de rua de São Paulo

O tratamento dado pela prefeitura paulistana e o governo estadual paulista à população sem-teto a torna invisível e mais vulnerável à violência

A invisibilidade da população em situação de rua pode explicar, de uma maneira mais ampla, a chacina ocorrida na madrugada de 11 de maio, no bairro do Jaçanã, em São Paulo, quando seis pessoas que dormiam sob um viaduto foram mortas a tiros (leia detalhes na matéria abaixo).

A opinião é de Átila, ex-morador de rua e um dos coordenadores do Movimento Nacional da População de Rua. Segundo ele, é difícil dizer por que a violência contra esse setor social vem crescendo tanto nos últimos anos, mas acredita que alguns fatores são determinantes para tal comportamento. “Isso vem sendo motivado pelo incômodo que a sociedade, como um todo, sente dos moradores de rua. São pessoas mais vulneráveis, pois são invisíveis por não terem a proteção do Estado, geralmente por não terem documentos e por terem perdido seus vínculos familiares”.

Albergues fechados

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, dentre toda a população de moradores de rua de São Paulo, 79,6% fazem apenas uma refeição por dia e 19% não conseguem se alimentar diariamente.

Na opinião de Átila, essa vulnerabilidade e consequente violência acontecem porque faltam, em São Paulo, políticas públicas diferenciadas, não somente aquelas aplicadas hoje pela prefeitura ou governo estadual – que acabam discriminando a população de rua e sempre terminam na tentativa de sua remoção, sobretudo dos espaços físicos centrais, como se sua presença incomodasse ou sujasse o lugar – mas, principalmente, “políticas intersetoriais, integralistas, que incluam a saúde, tratem a questão do álcool e das drogas, atenuem a questão do trabalho e da habitação. Todos esses elementos não são abordados juntos”, lamenta.

Em 2009, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), fechou três albergues na região central, acabando com 1.154 das 8 mil vagas que existiam, conforme dados da prefeitura.

Átila pontua que as vagas não precisariam ser fechadas; a estrutura de atendimento desses albergues é que deveriam ser repensadas. “No que restou dos albergues centrais, como, por exemplo, o da Pedroso, construído debaixo do próprio viaduto Pedroso, no bairro da Bela Vista, todos os moradores de rua que chegam são colocados juntos e recebem o mesmo tipo de tratamento. Sabemos que essa população é heterogênea em suas características – há pessoas com problemas de saúde física ou mental, por exemplo –, portanto, há de existir um tratamento individual”, propõe.

“Toque de despertar”

Kassab também determinou, através de uma portaria assinada no dia 1º de abril de 2010, que a Guarda Civil Metropolitana passasse a “contribuir para evitar a presença de pessoas em situação de risco nas vias e áreas públicas da cidade e locais impróprios para a permanência saudável das pessoas”. O cumprimento dessa determinação inclui “toque de despertar”, inclusive com utilização de bombas, para impedir que a população moradora de rua possa dormir.

Diante desse quadro, para Átila, sem uma diretriz governamental que resolva ou minimize os problemas das pessoas que moram nas ruas – que, hoje, na cidade de São Paulo, formam um contingente de, aproximadamente, 14 mil pessoas, segundo dados da própria prefeitura –, a violência contra elas será difícil de cessar. “É difícil prever se teremos outras ações criminosas como essas, mas sabemos que o que está sendo feito hoje pelas autoridades leva a isso”, desabafa.

Os crimes que vitimaram os sete moradores de rua em agosto de 2004, na região da Sé, não tiveram um desfecho investigativo que chegasse aos culpados ou mandantes e suas motivações. Portanto, para Átila, fica claro que “as corporações de segurança e a população sabem que existe um movimento de policiais envolvidos nessa violência contra os moradores de rua”.

A imprensa legitimadora - Mesmo com a investigação sob sigilo, mídia levanta hipóteses para “justificar” chacina contra os moradores de rua

Das sete vítimas da chacina contra moradores de rua ocorrida na madrugada de 11 de maio, no bairro do Jaçanã, no limite entre São Paulo e Guarulhos, apenas uma mulher sobreviveu.

Segundo o delegadoLuiz Fernando Lopes Teixeira, da 3ª Delegacia de Homicídios Múltiplos do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que investiga o caso, trata-se de uma moça branca de 25 anos.

Segundo informativo lançado pelo Movimento Nacional da População de Rua, três vítimas – até o momento, ainda não identificadas – eram jovens cuja faixa etária aparentava variar entre 25 e 35 anos; dois eram de cor parda e um de cor branca.

As demais vítimas já identificadas são: Reinaldo Rodrigues Ananias (pardo, idade variando entre 25 e 30 anos), Adriano de Jesus (cor parda, 25 anos) e Manoel do Nascimento Batista Cerqueira de Jesus (negro, 25 anos, provável morador de um conjunto habitacional Cingapura).

Segundo os depoimentos das primeiras testemunhas ao DHPP, as vítimas sofreram vários disparos efetuados por quatro homens em duas motos. Os criminosos usavam capacetes e fugiram em alta velocidade, dificultando a identificação.


Mídia

Mesmo que o delegado Teixeira mantenha a investigação em sigilo, o noticiário sobre os assassinatos “revelou” que o local do ocorrido seria um ponto de tráfico de drogas e que haviam sido achados cachimbos de crack e um pó branco, que poderia ser cocaína a ser utilizada pelas vítimas. Outras versões cogitaram, ainda, que os moradores de rua teriam sido mortos por vingança, por estarem cometendo pequenos roubos e furtos e incomodando outras pessoas.

Na opinião de Átila, ex-morador de rua e um dos coordenadores do Movimento Nacional da População de Rua, a cobertura da imprensa sobre a chacina é preocupante. “A imprensa procura a conotação sensacionalista. Ela não enfoca que outros níveis econômicos da sociedade, por exemplo, também usam crack, e justifica a violência contra os moradores de rua porque eles são alcoólatras ou usam drogas”, observa.

Átila concorda que muitas pessoas habitam a rua devido a problemas com drogas, mas, “daí, dar esse desfecho, de matar em vez de tratamento, não é o certo”.

“Massacram vidas humanas em nome disso. Justificam a repressão policial e não colocam que isso seria um caso de tratamento de saúde, de se criar clínicas públicas de recuperação que os tragam [os moradores de rua viciados em drogas] de volta ao convívio social e familiar, dignamente”, conclui.

Escrito por Marcio Zonta, para o Brasil de Fato.

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