terça-feira, 22 de setembro de 2009

Por que o Brasil se arma?


Da Radioagência NP


A América Latina assiste a crescentes gastos militares. Números divulgados por diferentes centros de estudos sul-americanos e europeus variam, mas todos revelam que nunca se gastou tanto com arsenal bélico como nos últimos anos. O Instituto de Estudos para a Paz de Estocolmo afirma que em 2008 o investimento em armas no continente chegou a US$ 34 bilhões. Para a Rede de Segurança e Defesa da América Latina (Redsal), a despesa foi ainda superior: US$ 48 bilhões. Já o Centro de Estudos Nova Maioria, fala US$ 51 bilhões. Lideram os gastos o Brasil, a Venezuela e a Colômbia. Os três países estão torrando bilhões de dólares e euros. O parceiro privilegiado do Brasil no bazar de compras é a França; no caso venezuelano, a Rússia; já os colombianos têm como parceiros os EUA.

A gastança com arsenal bélico tem levado à interpretação de que estamos diante de uma escalada armamentista na região. As justificativas por parte dos países particularmente Brasil, Venezuela, Colômbia e Chile , para a compra bilionária de armamentos são duas. A primeira delas é que se trata de mera reposição de equipamentos obsoletos. O segundo argumento está relacionado ao direito de autodefesa. O argumento nesse caso utiliza-se da expressão “poder dissuasório” que esteve muito em voga nos anos de guerra-fria, ou seja, a beligerância do outro é inibida pela capacidade de também eu me tornar beligerante.

O Brasil está entre os que mais gastam no continente. Apenas com a França, o país estaria fechando acordos na ordem de R$ 37,5 bilhões na compra dos submarinos, caças e helicópteros. Trata-se da maior compra bélica da história brasileira.

A explicação mais plausível para a escalada armamentista brasileira para além do surrado argumento de que se trata de reequipamento é o fato de que o país almeja se tornar uma potência militar. Outra motivação explícita do país é a ambicionada vaga no Conselho de Segurança Permanente da Organização das Nações Unidas (ONU). Ambição que vem desde a época de Fernando Henrique Cardoso. Curiosamente, os cinco países que já têm submarino com propulsão nuclear “algo que o Brasil deseja” são justamente os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

É nessa perspectiva que deve ser compreendida a opção brasileira em negociar com a França. Não se trata de mera concorrência por alguns dólares a mais ou a menos, mas de opção política. A leitura do governo é de que os Estados Unidos (EUA) são um rival no continente. Segundo essa interpretação, os EUA não têm interesse em fazer um acordo que destaque o Brasil na América do Sul, uma vez que o seu parceiro privilegiado já é a Colômbia. E ainda mais, tampouco estariam os EUA dispostos a transferir tecnologia armamentícia para o Brasil, o que a longo prazo apenas fortaleceria um oponente de peso no continente.

A parceria com a França vai muito além do acordo de compra de submarinos e de helicópteros. O Brasil de Lula vê a França como o amigo rico e preferido do Norte. Destaque-se que a França foi uma das primeiras vozes do Primeiro Mundo a apoiar uma reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o que pode permitir o ingresso do Brasil entre seus membros permanentes. É nesse contexto que deve ser compreendida a polêmica em torno dos caças: A opção pelo Rafale, da empresa francesa Dassault, tem a ver com o caráter político da decisão. O próprio Lula já afirmou que a decisão é política e estratégica.

A corrida armamentista no continente surpreende porque se esperava que as prioridades dos chamados governos progressistas da América Latina fossem outras. Num continente onde os problemas sociais ainda são gigantescos, a opção em gastar bilhões com armas é no mínimo questionável.

O caso brasileiro é exemplar nesse sentido. O país ocupa o 70º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); 22% ou 40 milhões de brasileiros, vivem abaixo da linha de pobreza; aproximadamente 25% da população é analfabeta ou não consegue compreender o que está lendo; no país ainda persiste o trabalho infantil.

Nesse contexto, é de se perguntar se gastar bilhões de reais com armas é prioridade. E tudo isso se dá sem resistência. Não se vê reações no mundo político a direita e a esquerda estão juntas no silêncio , no movimento social, nas Igrejas.



Cesar Sanson é pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores e doutor em sociologia pela UFPR.

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