domingo, 28 de junho de 2009

Os passos rumo ao golpe em Honduras


Breve cronologia dos últimos acontecimentos em Tegucigalpa, sob ameaça de golpe de Estado*

Guido Eguigure
Rebelión

O presidente Manuel Zelaya (Mel) formou um governo em 2006 que desde o seu primeiro dia distanciou-se dos grupos de poder e de seus mais fiéis representantes, mantendo um poder muito frágil em relação aos setores do poder econômico e político. No Congresso Nacional ele ficou desde o primeiro momento sem uma bancada de deputados que desse respaldo aos projetos de lei que o Executivo enviava.O presidente Mel vem distanciando-se destes grupos por fazer coisas que os têm irritado profundamente: cancelou negócios que sempre foram usufruídos através da máquina do Estado. Perseguiu a evasão fiscal, uma forma de enriquecimento muito praticada pelo alto empresariado do país. Eliminou o monopólio da importação de combustíveis, que dava lucros milionários a uma única empresa. Eliminou os negócios de importação de armas e remédios que o dono de dois grandes jornais tinha feito há décadas com o Estado. Cancelou transferências mensais milionárias aos grandes meios, autorizadas a partir da casa presidencial pelos governos anteriores.
No cenário internacional desenvolveu uma política exterior diferente, aproximando-se dos governos de esquerda da América Latina.
Abriu a casa do governo aos setores populares, fazendo um tipo de auditoria social, enfrentando funcionários do mais alto nível, com pessoas simples e movimentos populares que exigem os seus direitos.Em 2008 enfrentou diretamente os deputados do Congresso Nacional em várias ocasiões, contra seu acordo para reformar a lei eleitoral, pretendendo financiar de maneira permanente os partidos políticos através do orçamento nacional – proposta que obteve o rechaço unânime da população e do Executivo. Também se distanciou do Congresso Nacional a partir da eleição da nova corte suprema de justiça, e finalmente, pela eleição do Fiscal Geral.

Estes fatos marcaram uma ruptura evidente no sistema político nacional. Foi apagada a linha divisória entre os dois grandes partidos tradicionais. Ambos se colocaram nitidamente contra o interesse nacional e contra o Executivo, que ficou quase sem representantes no Congresso Nacional.
O presidente Mel decretou um importante aumento do salário mínimo, que estava bastante precarizado devido às constantes desvalorizações e ao aumento de preço da cesta básica.
Neste ultimo ano de seu governo (2009), ano eleitoral, aprofundou-se esta divisão. Mel compensou sua falta de apoio no Congresso com o fortalecimento de uma ampla aliança com os setores populares. Isto agravou ainda mais o confronto com os grupos de poder. Os grandes meios de comunicação não passam um único dia sem atacar o governo.

Mel tem defendido a realização de uma espécie de plebiscito ou referendo nacional, para perguntar à população se ela quer uma quarta urna nas eleições nacionais de novembro. Ou seja, que além das urnas presidencial, de deputados e prefeitos, Mel quer consultar ao povo se concorda em colocar uma quarta urna para que seja perguntado ao povo se ele quer uma Assembleia Nacional Constituinte para fazer uma nova constituição. Esta proposta gerou um maremoto político. Aliaram-se os setores mais conservadores para combater ferreamente a proposta. Montou-se uma campanha midiática milionária para declarar ilegal a campanha pelo SIM, programada para 28 de junho. Utilizaram desde contestações legais até os mais baixos ataques midiáticos para desprestigiar, usando argumentos obsoletos e de atemorização massiva para evitar que a população fosse consultada. Dizem coisas como “vão levar os teus filhos” e “vão tomar as tuas propriedades”, fantasmas da guerra fria que pareciam esquecidos, para evitar que o povo fosse votar. No fundo existe um temor, frente a crescente deslegitimação sofrida pelo sistema dos partidos políticos, de que surja um novo modelo baseado mais na participação real e não na representação, que fica cada vez mais comprovado que não funciona.

Na historia recente do país, a população nunca foi consultada sobre nenhum assunto de interesse nacional.

O presidente Zelaya não enviou o projeto de orçamento de 2009 ao Congresso Nacional, de maneira que segue funcionando o do ano passado. Como forma de pressionar ao Congresso não realizou transferências ao mesmo. Isto aumentou o mal-estar dos deputados que lhe fazem posição. A maior dificuldade para eles é que este ano necessitam dos recursos públicos para que possam pagar as suas campanhas (isto é uma constatação, pois a esta altura do ano, estaríamos inundados de propaganda política. Até hoje não há quase anúncios de nenhum candidato nem para presidente nem para prefeitos ou deputados). É claro que as caríssimas campanhas dos políticos tradicionais, as quais nos acostumamos, são pagas com os nossos impostos. Do outro lado, as prefeituras têm mais de 70 exigências a cumprir para obterem os pequenos fundos designados pelo Programa de Redução da Pobreza.

Anteontem (23/6) à tarde, sofreu um grave atentado o candidato a prefeito de Tocoa (no norte do país) pelo partido de esquerda Unificação Democrática: quatro mercenários dispararam em torno de 30 balas de AK 47 contra o seu automóvel. Quatro delas atingiram o seu corpo. Ontem ele foi transportado de helicóptero para Tegucigalpa em estado crítico. Nesta mesma cidade foi assassinado Carlos Escaleras (ex-candidato a prefeito pelo mesmo partido) há mais de dez anos, caso emblemático de um dos três que estão no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Para o dia de hoje, 25 de junho, o Presidente Zelaya convocou os setores populares a irem à Casa de Governo, como chamou também o Estado Maior das Forças Armadas a reafirmar o seu compromisso com a consulta. Os militares têm estado no centro da polêmica nos últimos dias porque os poderosos lhes dizem que não devem obedecer ao seu comandante geral para dar apoio logístico à consulta. Mel lhes chamou para garantir que a partir de amanhã deverão começar a distribuir as 15 mil urnas em todo o país.
Hoje à tarde circularam fortíssimos rumores de que se prepara um Golpe de Estado. As fontes são variadas, mas coincidem.

Mel se reuniu esta noite com o Estado Maior Geral e o Chefe deste na casa de governo. Ao final da reunião, numa conferência de imprensa acompanhado por representantes de variados setores populares, em um curtíssimo comunicado, Mel anunciou que tinha aceitado a renúncia do Chefe do Estado Maior Conjunto e também do Ministro da Defesa.Em seguida Mel chamou os setores populares a uma grande assembleia popular na casa de Governo a defender o direito de consulta do povo para tomar decisões importantes para o país. Já estão viajando, a caminho da capital, os setores populares decididos a respaldar o presidente.

Este episódio agrava a situação política e desafia o movimento dos grupos de poder.

Fontes confiáveis asseguram que a Junta de Comandantes e o Estado Maior das Forças Armadas decidiram renunciar em solidariedade ao seu chefe destituído.
Também se afirma que o RECABLIN (Regimento de Cavalaria Blindada, corpo de elite do exército) está pronto para tomar os pontos principais da cidade, casa de governo, rádio e canal nacional, entradas e saídas, incluído o aeroporto, etc.
Esta tarde, o Congresso Nacional se declarou em sessão permanente. Um expediente pouco usado, somente em momentos de crise. O movimento sairá daqui. Sob uma série de argumentos pseudolegais, destituirão o presidente, nomeando uma junta cívico-militar para “restabelecer” a constituição que estava em perigo.
O exército sairá às ruas para reprimir qualquer manifestação em apoio ao presidente. Será iniciada uma caça às bruxas, facilitada pela debilidade da organização dos setores populares. A violação dos mais elementares direitos estará na ordem do dia.
A única forma de evitar o derramamento de sangue será com uma contundente quantidade de pessoas nas ruas para apoiar o presidente. Meu prognóstico é que ganhará o medo da repressão e isto lamentavelmente fará com que a repressão ganhe.
Como síntese, o embaixador dos Estados Unidos saiu do país ontem. De forma muito conveniente, NÃO estará presente no desenlace desta crise.
Honduras deverá seguir jogando o papel que já jogou nos anos 80: um bloco de contenção aos governos progressistas que pressionam do Sul e que se aproximam perigosamente do muro dos fundos do império.

*Artigo publicado no site Rebelión dia 26/06, três dias antes do golpe ocorrido na manhã deste domingo, quando militares encapuzados sequestraram o presidente Manuel Zelaya na capital do país Tegucigalpa.
(tradução: Rodrigo Fonseca)
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