segunda-feira, 30 de agosto de 2010

As juventudes e o projeto popular

O retrato da juventude brasileira evidencia além dos projetos de classe, as intenções manifestas por cada corrente tanto na concepção, quanto no que fazer apresentado a este grupo social pertencente à classe trabalhadora.

Façamos um breve exercício de entender a situação concreta deste grupo na educação, para depois, imersos nos principais elementos reflexivos, pensarmos o inédito viável deste grupo.

1. Os dados sobre juventude e educação brasileira

Segundo o documento de IPEA de 2008 "Juventude e Políticas Sociais no Brasil", a população de 15 a 29 anos corresponde a 27,4% da população total. Existem 51 milhões de brasileiras(os) nesta faixa etária.

Com relação à educação tanto em termos de acesso quanto de permanência, os dados são alarmantes para se pensar o futuro da nação.

34% da população dos 15 aos 17 anos ainda não concluíram o ensino fundamental; apenas 12,7% dos jovens de 18 a 24 anos têm acesso ao curso superior.

Além disto, 83% dos jovens de 25 a 29 anos e 66% de 15 a 17 anos deixaram de estudar. O número de idas e vindas aos bancos escolares também chamam a atenção: os que pararam somente 1 vez representam 61,6%; 2 vezes 20,1% e 3 vezes ou mais 16,7%.

Quase 70% destes jovens pensam ser possível retornar à escola, assim que as condições objetivas de sobrevivência o permitir.

Outro foco importante sobre a diversidade da juventude se refere à situação do jovem do campo e da cidade.

Enquanto nas cidades vivem 84,9% dos 51 milhões de jovens do país, no campo residem 15,1%.

Para o campo se amplia a precarização das condições de vida e os elementos como acesso, permanência e pertença jogam outros olhares sobre o debate do ser e sentir-se jovem.

A questão agrária, a posse da terra, o crédito, a agricultura familiar, o campesinato como classe e o uso da tecnologia subordinada à concepção de terra e de humano, são alguns dos temas a serem debatidos por estes jovens no seu contexto de vida específico.

O nível de escolaridade do jovem do campo é 50% inferior ao da cidade e o grau de analfabetismo chega a 9% nesta população


2. O debate teórico sobre o tema

Em uma perspectiva crítica, falar em juventude é retomar ao menos 4 aspectos centrais que se entrelaçam.

1.A juventude como protagonista da formação de consciência. Se por um lado, são fundados valores, memórias, representações a partir do ora vivido, por outro lado, são abertas perspectivas sobre como ler o que se vive, para além do que até então se tem.

2.A juventude como historicidade. Está referido ao movimento ininterrupto de refazer-se a partir daquilo com que se encontra e para além. A historicidade demarca o terreno da ação dos sujeitos a partir da correlação de forças manifesta no cotidiano. Vai além quando o permite superar o vivido rumo a outro processo de vida a ser encarnado por ela.

3.A juventude como ser social. Aqui o centro é a disputa na produção de símbolos, códigos, imagens, de uma juventude que é formada ou para reproduzir o que já está posto na engrenagem instituída pelo modo de dominação real, ou para, questionando-o, permitir verificar o que pode ser feito para superar dito modelo.
Este conceito põe em evidêcia o individualismo apregoado como única forma possível de produção de vida, na concorrência, frente as possibilidades de relações para além do processo mercantil.

4. A juventude como consciência sobre o sentido do trabalho. Neste tema a j uventude vive outras dimensões da tensão. Ou é tomada como uma mercadoria cujo preço é estipulado por quem paga, a partir da precarização intensiva de uma formação técnica para o trabalho subutilizado. Ou é tida como possibilidade de recomposição do sentido de trabalho a partir da realização e pertença do mesmo ao grupo ao qual pertence: os trabalhadores.


3. A relação entre os dados e a teoria

Com base nos dados e nos temas centrais da discussão sobre juventude podemos ver como esta categoria é complexa, heterogênea e diversificada, fazendo uma alusão à construção de Antunes sobre o sentido do trabalho.

Complexa pela relação direta entre educação e trabalho que vai promovendo a divisão social e internacional e alocando os jovens a partir do melhor uso pelo capital do saber acumulado e apreendido deste grupo.

Jovens com carteira de trabalho e sem carteira de trabalho; jovens no trabalho informal legítimo e legal; jovens no trabalho informal ilegítimo e ilegal, entre outros.

Heterogênea pela forma e o conteúdo do ser jovem a partir do recorte étnico-racial, de gênero, de regiões e de nacionalidades.

Diversificada pela explícita diferença na concepção de cultura, do sentido do trabalho, do aspecto ético-moral e da religião. Diferenças que demarcam contextualizações distintas sobre o mesmo tema dentro deste grupo.

4. A juventude e o inédito viável

O mais viável é nos referirmos à unidade do diverso da juventude, ou seja, juventudes em movimento. O inédito neste viável é a intenção de vinculá-las na disputa pelo poder a partir da construção do sentido protagonista a ser dado a este grupo dentro de um projeto popular.

As diferenças cedem espaço à diversidade em unidade e as experiências conformam um quadro comum neste mosaico de cores, flores, pedras, territórios específicos dentro de um modelo de desenvolvimento geral.

O popular vira palco da territorialidade do poder, cujo protagonismo compartilhado vai, pouco a pouco, superando as classificações e criando um novo arranjo de sociedade em cujo poder popular dê unidade ao diverso, harmonize as particularidades no todo do projeto de classe, efetive a inclusão real deste grupo na tomada de decisão rumo à implementação da sociedade que se quer.


Escrito por Roberta Traspadini, economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ ES

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Camponeses denunciam planos da Monsanto para influir na política agrícola

As doações de sementes híbridas de milho e hortaliças realizadas pela multinacional Monsanto ao Haiti continuam causando descontentamento na população camponesa deste país. Há poucos dias, trabalhadores do campo se uniram para denunciar as estratégias da empresa e a tentativa de viciar a produção rural haitiana em suas sementes híbridas.

Logo após o terremoto de 12 de janeiro deste ano, ocorrido inesperadamente no Haiti, a Monsanto, empresa que produz 90% dos transgênicos plantados no mundo e é líder no mercado de sementes, anunciou que, para ajudar na recuperação da economia do país, doaria 475 toneladas de sementes de milho e de hortaliças, além de fertilizantes e pesticidas.

A ação, uma iniciativa do Fórum Econômico Mundial de Davos com o apoio da Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (Usaid), surgiu quando os membros das organizações conversavam sobre "o que poderiam fazer para ajudar o Haiti". Após a decisão, diversas empresas se engajaram paraefetivar a ‘ajuda’, entre elas, a multinacional UPS que se encarregou da logística e o programa WINNER, financiado pela Usaid, que ficou com o trabalho de distribuição e oferta de serviços técnicos para conseguir "aumentar a produtividade agrícola".

Em maio, o país recebeu as primeiras remessas da ‘doação’. Cerca de 60 toneladas de sementes foram distribuídas ao governo para serem entregues, gratuitamente, às lojas administradas pelas associações de agricultores, que devem vender a um valor reduzido para os camponeses. Segundo informações na agência de notícias Kaos en La Rede, a Monsanto afirmou que o resultado da venda das sementes deverá ser utilizado pelas associações para investir na agricultura local

Há poucos dias, os camponeses contrários à entrada das sementes da Monsanto no Haiti estiveram reunidos em Assunção, no Paraguai, para participar do Fórum Social Américas (FSA), que aconteceu de 11 a 15 deste mês. Na ocasião, membros do Movimento Campesino Papaye (MPP, por sua sigla em francês), denunciaram a tentativa da Monsanto de causar uma dependência em suas sementes híbridas.

É certa a probabilidade de que esta dependência aconteça, caso as sementes comecem a ser utilizadas. Isto, porque as sementes distribuídas pela multinacional não podem ser reutilizadas e para continuar plantando os produtores rurais são obrigados a comprá-las da Monsanto. Da mesma forma, é necessário adquirir os produtos como pesticidas e fertilizantes. Outro problema, confirmado pela Via Campesina, é que o milho haitiano ficará contaminado pelo pólen do milho híbrido. Esta sucessão de implicações comprova que a doação não incrementará a soberania alimentar nem a autonomia campesina no país.

De acordo com Chavannes Jean-Baptiste, do MPP e da Via Campesina, a falta de sementes é uma realidade no Haiti, já que muitas famílias do campo utilizaram as sementes de milho para alimentar refugiados. No entanto, a situação não justifica o fato de o governo haitiano estar se aproveitando do terremoto "para vender o país para as multinacionais".

Para combater a concretização desta dominação e manipulação da agricultura para interesses particulares, camponeses e camponesas já realizaram diversas marchas e mobilizações. Durante o FSA, Jean-Baptiste, denunciou que as doações "são um ataque contra a agricultura camponesa e a biodiversidade" e avaliou que a Monsanto "se aproveitou do terremoto para entrar no mercado de sementes do Haiti". Ao mesmo tempo, no Haiti, 20 mil campesinos marcharam para demonstrar que não querem as sementes híbridas em seu país.

Com informações de Kaos em La Red e da Agência de Notícias Púlsar
Publicado originalmente na Adital

domingo, 15 de agosto de 2010

Mulheres de todos os continentes se reúnem contra a militarização

"Que calem as armas para que falem as mulheres e os povos" e "Meu corpo é minha casa, minha casa é meu território. Não entrego as chaves" são os lemas que nortearão as discussões do "Encontro Internacional de Mulheres e Povos das Américas contra a Militarização", que começa na próxima segunda-feira (16), na Colômbia. O encerramento será no dia 23, com uma jornada internacional de solidariedade às mulheres e aos povos que lutam contra a militarização.

A expectativa é que mais de 1.000 mulheres e homens de movimentos populares e organizações sociais e políticas da América Latina debatam estratégias de ações contra a militarização e a presença de tropas estrangeiras na região. O encontro ocorre em um momento crucial dada conjuntura política e militar latino-americana.

Golpe de Estado em Honduras, ocupação militar no Haiti e instalação de bases militares estadunidenses na Colômbia e no Panamá são apenas alguns exemplos do avanço da investida dos Estados Unidos na região. O país escolhido para ser sede do Encontro contra a Militarização também não poderia ser melhor: Colômbia, Estado que, em 2009, assinou um Acordo de Defesa e Segurança com o país norte-americano.
"Além disso, o encontro se desenvolve em um país cujo governo mantém uma história de 40 anos de cooperação militar com os Estados Unidos que - sob o sofisma da luta contra as drogas, o narcotráfico e o terrorismo que foi desculpa para a perseguição e estigmatização do protesto social - oculta os verdadeiros interesses econômicos por trás do conflito na Colômbia: a manutenção do controle de seus recursos naturais, territórios e do povo", acrescentou a convocatória divulgada no início deste mês.
A crescente militarização na América Latina tem afetado a soberania dos povos com deslocamentos forçados, violações aos direitos humanos e exploração de recursos naturais. As mulheres são as principais vítimas dessa situação. Isso porque, com o aumento de militares em um território, aumenta também o machismo, a prostituição e a violência sexual contra as mulheres.
"Historicamente as bases militares têm servido para invadir territórios estratégicos por sua localização geopolítica e as riquezas naturais que muitas vezes se encontram nos povos milenários, afrodescendentes e camponeses. Estas bases militares também promovem a prostituição com a regulação de casas oficiais que servem como ‘entretenimento’ aos soldados, mas, para as mulheres, representem escravidão sexual e outros tipos de violência, como os feminicídios", explicaram as organizações de mulheres em comunicado de julho passado.

Programação

O Encontro Internacional de Mulheres e Povos das Américas contra a Militarização será divido em três momentos. No primeiro, de 16 a 20 de agosto, uma missão humanitária de solidariedade e resistência visitará diversas regiões na Colômbia para observar os efeitos da militarização.

O Encontro Internacional propriamente dito começará no dia 21, na cidade de Barrancabermeja, Santander, com debates e trocas de experiências entre os movimentos sociais. Na tarde do dia 22, os participantes apresentarão a declaração final do encontro e a agenda de trabalho para a desmilitarização do continente. O encerramento das atividades será no dia 23, com uma Vigília pela Vida.

As mobilizações não se restringirão à Colômbia. Organizações e movimentos sociais estão convidados a realizar, em vários países, uma Jornada Internacional de Solidariedade às Mulheres e aos Povos da Colômbia e das Américas que lutam contra a Militarização.

A ideia é chamar atenção da sociedade sobre o avanço da militarização na América Latina. Para isso, os grupos interessados em participar podem fazer atividades como: vigílias e atos em frente a consulados e representações da Colômbia e dos Estados Unidos, panfletagens, seminários, ações de rua e reuniões com parlamentares.


Por Karol Assunção, jornalista da Adital

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Limite da propriedade da terra é tema de plebiscito popular

Entre os dias 1º e 7 de setembro, plebiscito popular busca discutir com a sociedade a concentração de terras no Brasil

O Brasil é o segundo maior concentrador de terras do mundo. Uma desigualdade histórica, que se expressa no fato de as unidades de produção com menos de dez hectares ocuparem somente 2,36% de área do território nacional, mesmo sendo a imensa maioria numérica. Este cenário motivou o Fórum Nacional pela Reforma Agrária (FNRA) a propor ao conjunto da sociedade um plebiscito, de caráter popular, pelo limite da propriedade da terra. A população é chamada a organizar, entre os dias 1º e 7 de setembro, uma urna e dar a sua contribuição no tema.

Medida indicada em uma série de países, o limite jurídico da propriedade da terra inexiste no Brasil. O Fórum propõe um máximo de 35 módulos fiscais como a área que um proprietário possa ter em mãos. Propriedades superiores a essa medida seriam incorporadas à reforma agrária pelo poder público.

O módulo fiscal varia de região para região, definido para cada município de acordo com critérios, tais como: proximidade da capital e infra-estrutura urbana, qualidade do solo, relevo e condições de acesso. No Paraná, por exemplo, o enquadramento de 35 módulos fiscais equivale a uma média de 1035 hectares. Já no Amazonas, a área torna-se mais extensa e atinge 3500 hectares.

O Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo é composto por 54 entidades. Somam-se ao plebiscito a Assembléia Popular (AP) e o Grito dos Excluídos, entre outros movimentos sociais. Entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic) apóiam a iniciativa. A população é também chamada a participar de uma coleta de assinaturas para um projeto de emenda constitucional (PEC) para seja inserido um quinto inciso no artigo 186 da Constituição, no que se refere ao cumprimento da função social da propriedade rural. De acordo com os organizadores do plebiscito, o voto e o abaixo-assinado são complementares.

“Trata-se de uma questão que interessa a todos, pois estabelecer o limite da propriedade significa democratizar o acesso à terra e possibilitar a fixação do homem no campo, evitando inúmeros problemas que a migração para as cidades causa. A articulação com as comunidades de base é chave, seja pela importância do tema, seja pela rede espalhada em todo o Brasil”, avalia Luis Bassegio, militante da Assembleia Popular e do Grito dos Excluídos.

Contexto do debate

Dom Ladislau Biernarski, presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), afirma que o plebiscito dialoga com o tema central da Campanha da Fraternidade de 2010, que toca na desigualdade do capitalismo, com o “Fraternidade e Economia – Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro", e tem o seu desfecho com o “Grito dos Excluídos”, realizado na Semana da Pátria, também de 1º a 7 de setembro.

De acordo com a proposta do plebiscito, apenas cerca de 50 mil proprietários teriam sua propriedade limitada, o que ao mesmo tempo liberaria uma área de 200 milhões de hectares para a reforma agrária. “É vantajoso para um país que deixemos de ter quatro milhões de sem terra, onde 2% dos proprietários possuem mais de metade das terras”, coloca Biernarski.

O artigo 184 da Constituição Brasileira se refere à função social da propriedade e impõe que o Estado cumpra a reforma agrária. No entanto, logo depois, o mesmo documento também estabelece o direito à propriedade privada e define que a reforma agrária não toque na média propriedade e naquela definida como produtiva.

A proposta do plebiscito busca inserir o limite da propriedade da terra no artigo 186 na forma de um quinto inciso, somado aos atuais quatro incisos que definem a função social da propriedade. No entanto, para atingir na prática a função social da terra, como afirma Biernarski, “será necessário pressão das organizações sociais”.

Bassegio, por sua vez, analisa que o tema da terra, em diferentes momentos históricos, enfrentou resistência das frações mais conservadoras da elite brasileira. “Isso tem a ver com o poder da oligarquia agrária no Brasil. Ela é muito retrógrada, não vê que a solução de nossos problemas em boa parte está no campo, ela continua cega em sua visão de que falar em reforma agrária é igual a comunismo. Por outro lado, é necessária uma maior articulação da sociedade no sentido de apoiar efetivamente as lutas dos trabalhadores no campo”, propõe.

A questão do elevado consumo de agrotóxicos, a alteração no Código Ambiental em favor do agronegócio, o controle das transnacionais sobre a terra e a água são diferentes debates que atravessam a atual conjuntura e devem estar presentes no trabalho de conscientização que antecede os dias de votação do plebiscito. “Temos que trabalhar a reforma agrária abrangente, que cuide de fato da alimentação da população, sem veneno, em que haja o confisco das terras onde há trabalho escravo”, defende Biernarski. No que se refere ao uso do trabalho escravo pelos grandes proprietários, dados recentes da CPT apontam que, em 25 anos, 2.438 ocorrências de trabalho escravo foram registradas, com 163 mil trabalhadores.

Falar na propriedade da terra é tocar no assunto da terra em mãos estrangeiras. O Sistema Nacional de Cadastro Rural do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) elaborou um mapa da distribuição de terras brasileiras compradas por estrangeiros. São 4,3 milhões de hectares distribuídos em 3.694 municípios. “A questão da terra é fundamental para a identidade nacional. O limite da propriedade da terra existe em quase todos os países, a terra não pode nunca perder sua importância, seu significado de ser a primeira referência de um país, quando olhamos sua geografia e sua história”, comenta o bispo de Jales e presidente da Cáritas brasileira, dom Demétrio Valentini. (Com informações de Assessoria de Comunicação FNRA)


Pedro Carrano do Brasil de Fato